sexta-feira, 29 de novembro de 2013

(…) Façais vós também!

           

Em um lindo dia de sol na segunda-feira, fui à universidade, atualmente vou pouco lá, falta entregar somente monografia. Naquele dia não poderia deixar de ir, era o inicio das aulas daquele semestre, meu ultimo semestre como aluno de graduação de história da UFF, e inusitadamente meu aniversário.

Cheguei à querida cidade de Niterói e decidi-me passar por uma praça, o caminho mais curto, e teoricamente mais perigoso, -“só encontramos no medo aquilo que deixamos nele”. Em um dia de sol, com policiamento a vista, compondo um senário normal passei pelo lugar antes temido. Nada me aconteceu.

Não aconteceu nada comigo... Não posso dizer o mesmo de um jovem preto, aparentemente em situação de rua, que recebia uma “dura” agressiva da polícia. A cena era dantesca, o jovem preto dormia no chão coberto por alguns trapos, abordado com um chute, logo teve de se levantar ainda mambembe, sendo em seguida puxado pela gola da camisa e escorado na parece. - O que o PM queria? Por quê ser agressivo daquele jeito? Estaria ele procurando drogas? Mesmo se fosse isso, era necessário agir assim? Faço alguma coisa ou fico aqui e finjo que não é comigo? O que eu tão pequeno poderia fazer? Justo no meu aniversário? Será que vai ter... tinta pra pintar os calouros?...
Passei, e quis esquecer! Não consegui!

Principalmente porque sei que a maioria dos jovens, sobretudo pretos e pardos são os que mais morrer no nosso país, até a Dilma assume isso[1], e se abordados nas ruas tem ido cada vez mais para a cadeia, as vezes sem terem feito nada[2]. E se é menor de idade, a mídia e parte da população que parece não querer se informar, quer colocar na cadeia também[3].   

Talvez porque não conheçam a realidade do sistema socioeducativo, mas eu também conheço, já fui a uma unidade[4]. Se pelo menos soubéssemos todo que quase 90% dos adolescentes em conflito com a lei não completou o ensino fundamental, um forte indício de que os atos infracionais desse grupo estão diretamente ligados à deficiência na escolarização. Se pelo menos soubéssemos que nós jovens somos mais vítimas do que algozes uma vez que de 1998 a 2008, o número de adolescentes e jovens assassinados no Brasil cresceu quase 20%[5], e imagine você sendo esses jovens pretos e pardos moradores de periferia, como eu e o rapaz que levava uma dura do policial, a chance de ser assassinado é 4 vezes maior[6]. 

Mulheres e negros são 60% da população que está desempregada por mais de um ano[7]. Que curiosamente é a mesma porcentagem de pretos que compõem o total de pessoas que estão no sistema carcerário hoje.

Muita informação? Pois isso faz constatar uma coisa, Alguma coisa está muito errada[8]!
Voltando-nos por alguns momentos à figura de Cristo e suas palavras, nos perguntamos: como Ele lidaria com essa realidade cruenta? Abismados poderíamos constatar que ele já se manifestara nesse sentido e levantou bandeiras totalmente atuais.
           
A opção de Jesus foi sempre ao lado do pobre, o momento mais obvio dessa posição é quando declara que o primeiro bem-aventurado é o pobre (Lc.6;20), foi contra as desigualdades sociais e de gênero assim como as violências praticadas pelos homens (Lc.10; 30-37 e em Jo.8;5-7), e levantou-se frente a tentativa de dominação e aniquilação do diferente e ou do descrente em suas palavras, tentativa essa de seus próprios discípulos (Lc.9;51 à 56). O Jesus que como homem completamente falho, frágil e impotente como eu me sinto diante da “dura” do policial, denuncia veementemente o racismo e o sexismo em nossas estruturas sociais (Jo.4;27) e a violência do Estado (Mc.10;42-43) que não é justo e oprime, sobretudo o pobre como no exemplo acima[9]. É necessário lembrar o que João nos afirma: “Aquele que afirma que permanece Nele, deve andar como ele andou”(1Jo.2;6).
Nosso caminho missionário
Unindo as palavra e atitudes de Jesus a o cotidiano social brasileiro, a Rede Fale Rio de Janeiro adotou, desde outubro de 2013, a campanha Jovens demais pra morrer - Fale contra o extermínio da juventude, que aborda justamente a questão da mortalidade da juventude, em especial dos jovens pobres e negros do Rio de Janeiro.
A campanha começou com vários debates sobre redução da maioridade penal, tema que se mostrou também muito importante e levou Rede FALE e oMonitoramento Jovem de Políticas Públicas (MJPOP) a lançarem a campanha nacional “Fale contra a redução da maioridade penal”.  Esta recebeu adesão de líderes evangélicos presentes no Encontro da Rede Evangélica Nacional de Ação Social (RENAS) e objetiva colocar em pauta a defesa doEstatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

 A caminhada pela frente
Desde antes do ocorrido com o jovem em Niterói eu já me inteirava sobre o assunto, mas quando o tema deixa de ser teoria para se materializar na nossa frente, é o momento de fazer algo. Por isso, conclamo os amigos de missão estudantil para se sensibilizarem, agirem e participarem da campanha.
 Você pode atuar:

  • participando das reuniões dos grupos locais da Rede FALE;
  • participando de grupos e ações que lutem contra a mortalidade da juventude, negação de direitos, contra a redução da maioridade penal;
  • orando para que a justiça de Deus corra como água pelo Brasil;


Partindo dessa reflexão num sentido mais ampliado, unindo cotidiano social brasileiro e palavra/atitudes de Jesus, a Rede Fale do Rio de Janeiro adotou a campanha que se ocupa de uma questão seríssima e extremamente complexa: a enorme mortandade da juventude, dentre os quais encontramos mais pobres e negros, no Rio de janeiro com a campanha intitulada “JOVENS DE MAIS PARA MORRER”, iniciada com vários debates sobre redução da maioridade penal, que rapidamente foi alçada à uma campanha no Brasil inteiro.

Desde antes do ocorrido com o jovem em Niterói já me inteirava do assunto mas quando o tema deixa de ser tema, teoria, dados etc para então se materializar na nossa frente, é o momento de fazer algo. Nesse sentido, conclamo meus queridos amigos de missão estudantil para se sensibilizar, ficarem atentos ao tema, agir e nos ajudar na campanha. Você pode atuar: se unindo a nós onde hajam reuniões de grupos locais do Fale e focar em ações que lutem contra essa mortalidade ou negação de direitos à juventude em maioria pobre e preta mais próxima de você, mas também pode assinar nosso cartão  e unir-se a outros coletivos que lidem com esse ou outros tantos temas tão urgentes.

Destarte, é muito agradável e nos parece pertinente relembrar a figura do Cristo todo-poderoso mas pobre, o humilde que revela-nos como devemos agir na vida:
Depois que lhes lavou os pés, e tomou as suas vestes, e se assentou outra vez à mesa, disse-lhes: Entendeis o que vos tenho feito? Vós me chamais Mestre e Senhor, e dizeis bem, porque eu o sou. Ora, se eu, Senhor e Mestre, vos lavei os pés, vós deveis também lavar os pés uns aos outros. Porque eu vos dei o exemplo, para que, como eu vos fiz, façais vós também. Na verdade, na verdade vos digo que não é o servo maior do que o seu senhor, nem o enviado maior do que aquele que o enviou. Se sabeis estas coisas, bem-aventurados sois se as fizerdes”(Jo.13.1-5 e 12-17, grifo nosso).

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Diego Ferreira é estudante de História na Universidade Federal Fluminense (UFF), membro da ABU Niterói e do Fale RJ 

[5]   Mapa da violência 2011 : os jovens no Brasil /Julio Jacobo Waiselfisz. -- são paulo Instituto sangari ; Brasília, dF : Ministério da Justiça, 2011. 
[6]   Homicídios na adolescência no Brasil: IHA 2008 / organizadores: Doriam Luis Borges de Melo, Ignácio Cano.– Rio de Janeiro: Observatório de Favelas, 2011.  
[8]   Citação de Brennan Menning em O evangelho Maltrapilhono, qual o primeiro capítulo intitula-se: Alguma coisa está muito errada: “—Alguma coisa está muito errada — disse o auxiliar em tom de concordância. Dobrando-se aos poderes deste mundo, a mente deformou o evangelho da graça em cativeiro religioso e distorceu a imagem de Deus à forma de um guarda-livros eterno e cabeça-dura. A comunidade cristã lembra uma bolsa de obras de Wall Street, na qual a elite é honrada e os comuns ignorados. O amor é reprimido, a liberdade acorrentada e o cinto de segurança da justiça-própria devidamente apertado. A igreja institucional tornou-se alguém que inflige feridas nos que curam, em vez de ser alguém que cura os feridos. Dito sem rodeios: a igreja evangélica dos nossos dias aceita a graça na teoria, mas nega-a na prática.”. Manning, Brennan O Evangelho maltrapilho / Brennan Manning; traduzido por Paulo Purim.— São Paulo: Mundo Cristão, 2005 p.15.
[9]   Reflexão feita pelo amigo seminarista Ronilso Pacheco.