quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

“A caça” e os caçados à fuzil...

Diego Ferreira


Acabo de assistir o filme genial chamado A Caça, com uma atuação ótima como sempre do Mads Mikkelsen, famoso do grande público pelo papel de Dr Hannibal do seriado e dirigido por um dos criadores do Dogma 95, importante movimento do cinema dinamarquês, Thomas Vinterberg. 
O enredo do filme é simples. Os temas alcançados muito amplos e complexos, dai a genialidade. Em uma cidade de “interior” dinamarquesa um homem comum chamado Lucas e que trabalha em uma escola primária é acusado de abusar sexualmente de uma criança, vale o tom rocambolesco, criança também filha de seu melhor amigo. Não fica no ar se ele tem culpa disso ou não, o que achei uma pena, poderíamos como espectadores ser sustentados pela dúvida, mas desde o princípio a narrativa o isenta do crime, porém o tema central está longe disso: Como aquela pequena sociedade e o personagem lidam com aquilo, ver alguém transformado em criminoso e ver a si transformado em algoz?
E pronto está posto o problema, não existe “inocente desde que se prove o contrário”, não existe espaço para a dúvida, a análise dissonante ou isenta de posição é forçada a se retirar com a decência humana, resta assim somente espaço para a transformação do outro em uma personificação do mal, e portanto em nossa sociedade “judaico-cristóica” (quem dera estoica), é necessário expurgar, suprimir e acabar com esse avatar no qual Lucas “pseudo abusador” havia sido transformado. 
Lucas - como é comum em sua cidade - caça cervos, mas agora tornado “caça”, encara outra perspectiva que não a obvia fuga do local, aquela comunidade o formou, parece não existir possibilidade de fuga, afinal ele sabia não ser culpado. Assim ele permanece a pesar do isolamento. Destaco um trecho do filme: Lucas vai a um mercado comprar comida mesmo sendo avisado, por um “amigo” dono do estabelecimento, de que ele e seu filho estavam proibidos de fazer compras lá. Ele se nega a aceitar isso e é espancado dentro e fora do estabelecimento até o momento em que reage a agressão, retorna ensanguentado já, agride o funcionário que bateu primeiro (um homem bem mais forte e grande que ele) e mais uma vez tenta ser atendido como consumidor comum e consegue, a contra gosto do dono e funcionários do local.
Nesse momento quero relacionar o filme com o caso da morte dos 5 jovens negros fuzilados dentro de um carro por policiais, no domingo 29 de novembro de 2015. Wilton Esteves Domingos Júnior, de 20 anos, Wesley Castro Rodrigues, de 25 anos, e os amigos Cleiton Corrêa de Souza, de 18 anos, Carlos Eduardo da Silva de Souza, de 16 anos, e Roberto de Souza Penha, de 16 anos tiveram seus corpos negros destroçados por armamento de guerra, que destroçou igualmente o futuro deles, seus sonhos e suas famílias.
O corpo negro é mais uma vez testemunha sangrenta do racismo absurdo de nossa sociedade. Lembro do estudo feito por pesquisadores da UFSCar  onde revela que a taxa de negros mortos pela polícia de SP é 3 vezes a de brancos no entanto policiais envolvidos são, em sua maioria, brancos (79%). Segundo o estudo, “o sistema de segurança pública opera identificando os jovens negros como perigosos e os colocando como alvos de uma política violenta, fatal.” 
Sem querer entrar numa conta louca e encher esse texto de dados, basta saber que (e a maioria da população sabe por alto, só não liga), 23.100 jovens entre 15 e 29 anos, homens, negros, são assassinados por ano no Brasil, isso não é acaso, isso é projeto, isso é política genocida. Importante de dizer também que soubemos notícias de mais 6 mortes na baixada fluminense que não foram noticiadas como a caso dos jovens fuzilados, o problema é sempre muito maior do que a mídia mostra. 
Uma coisa que surpreende no filme “A Caça” como já foi dito, é a postura de Lucas permanecer vivendo sem aceitar o medo, a rejeição, o desprezo e a negação de direitos que aquele povoado impunha a ele e quando a violência vem à tona... a gente reage.
Esse texto é uma reação ao racismo da instituição Policia Militar do Rio de Janeiro, ao Governo do Estado do Rio de Janeiro. Uma reação a Morte, ao Genocídio do povo negro brasileiro, a desigualdade racial e social da sociedade brasileira e a eterna recusa de quem não quer ver o Racismo, mas principalmente, uma reação de esperança diante do momento que é trágico, existe solução pra nossa (in)Segurança Pública atual, a PEC 33/2014 acabou de ser votada e aprovada no Senado, a PEC 51 está ai, atuemos em movimentos, na política institucional, vamos atuar em todos os caminhos...     
O mês de novembro mais uma vez se encerra mostrando que o caminho é longo, mas só ele pode produzir/garantir vida para gente.   

Vamos ao Ato:


 ‪#‎ParemOExtermínioDoPovoNegro‬‬‬
#JovensDeMaisParaMorrer
‪#‎JovemNegroVivo‬‬‬
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Diego Ferreira é da Rede Fale RJ e da Coordenação Nacional da Rede FALE.