segunda-feira, 6 de abril de 2015

GUERRA NO COMPLEXO DO ALEMÃO, REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL E O GENOCÍDIO DA POPULAÇÃO NEGRA

Renan Porto



O primeiro a escrever sobre o conceito de genocídio foi o advogado russo de origem judaica Raphael Lemkin. Em 1944, contexto de ocupação nazista na Europa, foi publicado o seu livro Axis Rule in Occupied Europe. Lemkin pensava o genocídio relacionado com a ideia de colonização europeia sobre as Américas em que a identidade do povo oprimido é destruída e a identidade do opressor é imposta. Seu conceito de genocídio é mais amplo do que a ideia de um imediato extermínio de massa e mostra como o genocídio deve ser entendido como a desconstrução dos elementos que constituem a identidade de um povo. Assim podemos entender o genocídio como processo que pode levar uma certa continuidade de ações e não apenas como uma violência imediata contra um povo.

Essa reflexão nos leva a outra perspectiva sobre o que acontece com a população negra no Brasil, que sempre foi marginalizada e desconsiderada não só pelo Estado, mas também pela própria sociedade. A violência policial nas favelas, como acontece neste momento no Complexo do Alemão no Rio de Janeiro, não pode ser algo analisado isoladamente, pois é um fato recorrente e cotidiano em diversas periferias do Brasil que mata milhares de jovens, majoritariamente negros, e viola a dignidade das populações locais, tudo sob a justificativa retórica da guerra às drogas ou da pacificação. Há também de considerar que mais de 75% da população carcerária brasileira é não-branca, o que mostra a seletividade racial do sistema prisional. Isso mostra um processo de dizimação da população negra, que além da violência explícita sofrida por parte do Estado é também negada nas suas manifestações de identidade cultural e religiosa. Por exemplo, a representação midiática da mulher negra de nariz afilado e cabelo liso mostra de forma clara a imposição de uma identidade branca.

Diante disso, a forma como o Estado lida com a segurança pública é absurda. Ao contrário de assumir a responsabilidade de acabar com essa violência contínua sobre as populações mais pobres e de garantir os seus direitos e as condições para o exercício de sua cidadania, setores conservadores do Congresso Nacional propõem reduzir a maioridade penal, o que possibilita mais encarceramento e punição. Ao invés de investir nas vias de acesso aos direitos negados ao povo negro e pobre, o Estado adota políticas de punição e extermínio, como se a favela e a pobreza fosse uma sujeira a ser varrida cada vez mais para as margens ou uma epidemia a ser dizimada. Eis a pátria educadora.

É preciso entender que o racismo vai além de nossas relações sociais cotidianas e está presente no processo de formação do Estado brasileiro, que desde a colonização europeia tem seus aparelhos institucionais sempre ocupados por gente branca, assim, o racismo é algo que atravessa o Estado e influencia as suas políticas públicas de acordo a identidade da supremacia branca ocidental como modelo a ser seguido. E, portanto, a garantia dos direitos da população negra deve passar também pelo reconhecimento do direito dos negros existirem como povo, com sua própria cultura, sua própria forma de ser, e não com a inclusão nos modelos brancos.

Ontem foi páscoa e a memória da ressurreição de Jesus nos preenche e nos enche de esperança. Deixemos que essa memória da vida de Jesus faça florescer em nós o desejo de alteridade para que possamos aprender a ter uma postura não de tolerância, mas, sim, de hospitalidade e acolhimento para com aqueles que são nosso outro e que o Espírito Santo possa nos libertar do impulso colonialista de converter o outro à nossa identidade. Lembremos da parábola do bom samaritano: quem socorreu o homem judeu ferido e jogado à margem não foi um dos que possuíam sua mesma identidade, mas, aquele que para ele era outro. O verdadeiro amor deve ir além da identidade, pois o meu outro é todo aquele que eu possa ver. E num mundo com tantos que são invisibilizados devemos aprender a ver aqueles que por terem sido empurrados para as margens das nossas cidades estão longe da nossa visão. Assim como Jesus fez indo para Galileia, periferia de sua época, possamos também ir ao encontro dos que estão à margem.

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Renan Porto é Estudante de Direito e membro da Coordenação Nacional da Rede FALE

quarta-feira, 1 de abril de 2015

Eu sei que é 1º de Abril…

Diego Ferreira



Hoje é dia 1º de Abril. Tal dia foi instituído como o jocoso dia da mentira, ou o dia dos bobos, por volta do século VI na França, onde o ano novo era comemorado no dia 25 de março marcando o fim do inverno rigoroso do hemisfério norte e inicio do esplendor da primavera quando a natureza aflora por todos os lados e a fauna está no cio ou na hora de dar a luz as ninhadas. Como extensão desse mundo natural, muitos povos organizavam grandes festas, e na França não era diferente. A festa da primavera durava uma semana, acabando por volta do dia 1º de abril.


Mas em 1562, o papa Gregório XIII instituiu um novo calendário que estabeleceu o começo do ano no dia 1º de janeiro como o conhecemos hoje. No entanto, o Rei francês só adaptou seu calendário dois anos depois da decisão do pontífice, dando origem a um descompasso e uma enorme confusão entre o inicio das festas da primavera com o inicio do ano que agora deveria ser comemorado também. Da tal confusão, principalmente entre os povos alheios às decisões politicas e os motivos do papado, surgiram grandes brincadeiras, como a tal confusão onde muitos aldeões chamavam os desavisados (“bobos”) para festas que nunca existiriam, muitas delas datadas para o dia 1º de abril.

Esse ano como nos últimos anos somos todos tratados como “bobos”. Desde a Constituição de 1988, que considera que crianças e adolescentes devem ter pleno direito ao desenvolvimento e serem respeitados e tratados com dignidade, muitos não querem esquecer ou simplesmente negam a existência esse ideal. Desde 1993 que percebemos algumas tentativas de acabar com um consenso internacional da maioridade aos 18 anos, com tentativas de emendas constitucionais que vão de encontro com cláusulas pétreas (cláusulas que não podem mudar na Constituição sem que a mesma tenha que ser refeita).

A ideia de que reduzir a maioridade penal para menos de 18 anos sempre gira em torno de imaginar que se os jovens forem responsabilizados mais cedo terão medo de cometer crimes, sobretudo contra a vida das pessoas, modificando os argumentos do campo da racionalidade para o campo do medo. Poder prender parece uma solução para a violência. Um argumento facilmente desmontado uma vez que se nós formos aos dados do Mapa da Violência (e outros trabalhos afins), perceberemos que: há muito mais jovens vítimas de crimes do que cometendo crimes (e essas vítimas tem cor, são na grande maioria negros); criminalidade tem mais a ver com falta de oportunidades de educação e trabalho do que com uma suposta má índole das pessoas; e a grande maioria de jovens hoje, pelo menos no Rio de Janeiro, que cumprem medidas socioeducativas (que infringiram alguma lei) as cumprem por tráfico de drogas ou associação ao tráfico, o que de fato nega o tal medo de crimes ligados à morte. Ou seja, “os menó que rodam na pista não estão nem armados”.

Sem querer dar mais audiência ao tema do que ele merece, diante da internet observamos um clamor de um povo (pequeno que se pretende grande, mas sabemos que não é) que, muito influenciado pela grande mídia, brada morte, indiferença e falta de conhecimento do tema, assim como suas causas e consequências.

Já dizia o barbudo Marx, “a história se repete como farsa”.  Estamos nós diante de uma nova tentativa de reduzir a tal maioridade penal com a PEC 171 (o número não é piada, ou seria?), na mesma época da confusão de quem não estava avisado sobre as novas leis do Rei e do papa de outrora.

Não sei você leitora ou leitor, mas pra essa festa falsa já até me convidaram, no entanto eu sei que é 1º de Abril.

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Diego Ferreira é Historiador e faz parte da Coordenação Nacional da Rede FALE
Publicado Originalmente no site da Escola Popular de Comunicação Crítica (ESPOCC)  . http://www.espocc.org.br/eu-sei-que-e-1o-de-abril/