sexta-feira, 25 de março de 2016

REDE FALE - SOBRE A CRISE ATUAL, FALAMOS PELA DEMOCRACIA

Quero ver o direito brotar como fonte e correr a justiça qual riacho que não seca ~ Amós 5.24

A situação de grave crise política e econômica que o Brasil experimenta nos últimos dois anos tem demandado das instituições e atores políticos bem como da sociedade civil atenção redobrada e grande esforço de análise.

As investigações da Operação Lava Jato fragilizam ainda mais um governo imobilizado pela incapacidade de realizar as políticas necessárias, notadamente as reformas estruturais, para a superação da crise e para o avanço da conquistas sociais e de direitos humanos.

Nesse processo, quanto mais setores da sociedade mobilizam as ruas pedindo o impeachment de Dilma Rousseff, tanto mais a mídia e setores do judiciário desviam-se do foco das investigações e alimentam o ódio e a discórdia entre a população ao fazerem uma cobertura seletiva e operações cada vez mais questionadas por seu caráter midiático, arbitrário e politicamente motivado.

A Rede FALE vê com preocupação o modo como o governo tem conduzido a crise política e como forças antidemocráticas, dissimuladas no combate (seletivo) à corrupção, fecham os olhos para desmandos que ameaçam o Estado democrático de Direito, exigindo um impeachment ainda sem bases concretas, tornando um expediente extraordinário em arma política. Abre-se aqui precedente terrível que pode alijar ainda mais nossa frágil e recente democracia. Com isso, são os setores mais vulneráveis da população quem mais têm sofrido com o risco dos retrocessos que se avizinham nas políticas sociais devido ao aprofundamento da crise econômica.

Tendo em vista este quadro, conclamamos os irmãos e irmãs à oração pelo Brasil e pelos nossos governantes a fim de que as instituições democráticas sejam fortalecidas e para que todos os que forem encontrados culpados por atos corruptos sejam devidamente punidos, sempre na forma e na força da lei.

Também conclamamos a todos atenção e serenidade a fim de escapar do “debate ideológico” polarizador e tendencioso que coloca a saída para a crise em soluções que submetem nossa democracia ao retrocesso e produzem ainda mais ódio, desejo de vingança e ressentimento político.

Reafirmamos nosso compromisso com um Brasil democrático e justo, como temos defendido em nossas campanhas, assim como nos espaços de participação e controle social de políticas públicas dos quais participamos.

Reiteramos nosso compromisso com uma Reforma Política Democrática, que amplie os mecanismos de participação direta e garanta maior ampliação e diversidade de participação de setores historicamente excluídos.

Por fim, somamos nossas vozes a de inúmeros grupos, movimentos sociais, lideranças evangélicas, intelectuais e organizações da sociedade civil que se levantam para defender a democracia brasileira e suas garantias constitucionais, a fim de que o Brasil encontre o caminho da justiça e da igualdade para todos e todas".



terça-feira, 8 de março de 2016

Sofia

Por Esther Faria

Sofia era uma menina sabida. Daquelas de parecer que já tinha nascido sabida. Desde pequena queria saber de tudo um pouco. “Mas por quê?” era a sua pergunta favorita, que não tinha uma resposta das mais esclarecedoras. Perguntava pra mãe, pro pai, pro vô: “Porque sim, menina! Vá brincar com a boneca!”. Mas Sofia era uma menina sabida, já sabia que “porque sim”, ora, não é resposta que se preze.


Sofia na escola era das mais sabidas da turma. Já sabia a soma, a subtração, a multiplicação e a divisão. Gostava mais da adição e da divisão. Sabia também as letras, e como eram legais as letras! Elas formavam palavras e Sofia amava palavras. Palavras são sempre muito especiais e importantes.  Na escola, Sofia tinha algumas chateações. Ela queria brincar no skate e no futebol, mas estava de vestido e a professora falava que mocinhas bonitas como ela, não podiam mostrar a calcinha nem ralar o joelho. “E se eu ficar uma mocinha feia, posso brincar?” Não, futebol e skate eram coisas de meninos. Ela, então, teve que se contentar com a boneca e a panelinha. Sofia tinha um amiguinho que gostava de brincar com a boneca e a panelinha também, seu nome era João. Na verdade, João era seu melhor amigo. Os outros meninos faziam as maiores implicâncias com ele, só por causa das panelas e bonecas. Sofia ficava muito brava com eles, porque não era nada sabido fazer isso.
Sofia também ia à igreja. Todos da sua família iam. Como Sofia era muito sabida, percebia que a igreja era um lugar muito especial, dos mais importantes.  Não achava que a igreja era um lugar de chateações, como a escola. Foi lá que ela aprendeu uma música sobre palavras, música que era uma das suas favoritas. Falava de três palavras que juntas tinham um significado muito sabido. Sofia amava palavras, mas amava mais essas três da música: “Três palavrinhas só, eu aprendi de cor. Deus é amor! Trá lá lá lá lá lá lá lá lá!”
Sofia foi crescendo e continuou indo na escola e na igreja. Na escola, era cada vez mais sabida. Decidiu que queria ser professora, para tornar os outros sabidos que nem ela.  Mas a escola ainda tinha muitas chateações, e quanto mais sabida Sofia ficava, mais chateações ela descobria.  
Teve um dia muito chateante, especialmente chateante, em que fazia muito calor. Sofia resolveu, é claro, ir de shorts para aula, já que short era roupa de calor. Entretanto, para a sua desventura, quando chegou à escola, foi “convidada” a trocar de roupa, porque shorts não eram roupas adequadas. “Mas por quê? Faz tanto calor!” “Shorts não são roupas adequadas para o ambiente escolar, Sofia. Incentivam o comportamento inadequado nos meninos. Você é uma moça tão bonita, não seja vulgar.”  E foi assim que ela descobriu uma resposta mas sem base que “porque sim”. Mas Sofia, é claro, não podia deixar as coisas sem base assim: “Mas por que os meninos podem fazer Educação Física de shorts e sem camisa? Não tem razão pra tirar meus shorts.” Levou uma advertência, por não aceitar o convite e porque perguntava por quê demais.  Levou uma bronca do pai e da mãe também, pois precisava se dar ao respeito.  Mas Sofia era muito sabida, e sabia que o respeito já era dela.
E como já foi dito, Sofia continuava indo à igreja. Ainda achava a igreja um lugar muito especial e importante. Todavia, descobriu que a igreja também tinha chateações. As mulheres de lá, na maioria só falavam em casar, mas ela queria fazer outras coisas primeiro. “Vou orar para Deus te dar um marido bom, minha filha.” Sofia até podia querer um marido um dia, talvez, mas agora queria alguém que orasse pra que ela conseguisse se tornar uma professora, pois ensinar os outros a serem sabidos, a seu ver, era mais urgente que casar.  
Sofia cresceu mais. Já estudava pra ser professora e já gostava muito de ensinar as pessoas. Ela estudava muito a Bíblia, e tinha muitas sabedorias para compartilhar com todos na igreja. Mas, para a sua chateação, na igreja só deixavam as mulheres falarem no dia das mulheres e em alguns outros escassos dias. “Vá ensinar às crianças, Sofia!”. Ela admirava muito quem ensinava crianças, mas não era seu dom. Acabou lembrando-se de João, que também ia à igreja. Ele gostava muito de ensinar crianças, então ela o convidou para a tarefa. João adorou a ideia! As pessoas comentavam, mas João sabia que Deus se agradava muito dele, então não tinha importância.
Sofia, para sua própria surpresa, agora tinha um namorado. Ela gostava muito dele, e ele dizia que gostava muito dela também.  Os dois iam juntos para a faculdade e eram da mesma turma. Mas, para seu aborrecimento, ele lhe deu algumas chateações. Um dia, em uma aula, eles tiveram que fazer um trabalho, Sofia teve uma ideia excelente. Ela falou toda empolgada sua ideia, mas a turma fazia muito barulho, ninguém ouviu, só o namorado ouviu. Assim que a turma se calou, quando ela ia falar sua ideia de novo, ele soltou o verbo primeiro. E, para a sua surpresa, ele disse exatamente a ideia dela como se fosse... Dele.
Mas, para o seu maior aborrecimento, houve uma chateação maior. Sofia pediu nota ao seu professor, ele pediu coisas nada devidas em troca da nota. Ela achou, é claro, que ele pediria que ela se mostrasse sabida, mas o professor queria que ela mostrasse o que ela não queria mostrar de jeito nenhum. Foi correndo contar para o namorado como seu professor era horrível. “Tem certeza que não deu motivo, Sofia? Com que roupa você estava?” “O quê?” “Sofia, tem certeza que você não entendeu errado?” “Não.” E não mesmo. Seu namorado também era horrível.  Essas palavras a chatearam muito, e palavras são muito especiais e importantes.  Ela não quis mais namorado.
Sofia denunciou seu professor, mas a denuncia ia para outros homens. Não deu resultado. Porém, ela conheceu um grupo de meninas que ouviram falar da sua enorme chateação. Eram meninas que tinham chateações muito parecidas com as dela. Ela começou a se encontrar e conversar com essas meninas. Descobriu que todas as meninas tinham várias chateações assim, todos os dias, e que essas chateações, não eram apenas chateações, eram opressões.
 Suas novas amigas se chamavam de algo que Sofia hesitava, por muito tempo, se chamar. Elas se chamavam de feministas. Sofia descobriu que, sim, era feminista, e que na verdade, sempre foi, porque sempre foi muito sabida. Descobriu que feminismo era uma coisa sabida demais, pois é coisa de quem quer que mulheres e homens tenham direitos iguais. Tão sabido que está na Bíblia, que Sofia tanto gostava.
E por falar em Bíblia, eis o mais surpreendente. O seu personagem principal, que, afinal, era mais amigo de Sofia que João, dava todo apoio para a nova Sofia feminista. Jesus era o mais sabido de todos. Não era igual aos outros homens. Não é, na verdade. Ele é puro e perfeito.  E ele, de sabido que é, não deixou que uma moça fosse apedrejada, nem se agradou de outra que estava limpando a casa em vez de ouvi-lo. Ele ensinou que lugar de mulher não é na cozinha, e sim aprendendo. Ele curou uma mulher com fluxo de sangue, pois se preocupava com a dignidade dela. Ele amava tanto as mulheres, que quando reviveu, as teve como primeiras testemunhas. Ele era a Palavra, desde o princípio. Sofia amava palavras. Principalmente três palavras: Deus é amor.



Esther Faria ( É Estudante de Direito na Universidade Federal de Uberlândia. Faz parte Rede FALE Uberlândia e da Aliança Bíblica Universitária)