terça-feira, 24 de março de 2015

“Tomara que um dimenor mate toda a sua família': o não-debate sobre maioridade penal

Carlos Alberto Bezerra Junior

Mergulhado num rasteiro índice de aprovação de um dígito, o Congresso Nacional tenta ressuscitar uma das jogadas de marketing mais bem sucedidas dos últimos tempos: a redução da maioridade penal. Turbinada por um conjunto de informações falsas, sob medida para alimentar sentimentos coletivos de vingança, ganhou status de verdade absoluta.

Basta apresentar um dado contrário ou se dizer contra para imediatamente ser acusado de defender a impunidade, na lógica binária de que, se você é contra a redução da maioridade penal automaticamente é a favor de nenhuma responsabilização para crimes cometidos por adolescentes. 

Isso quando a reação não vem em forma de ameaça, o paradoxo da pessoa que deseja publicamente o assassinato de toda a sua família em nome do fim da violência.

É importante diferenciar duas discussões quase opostas que têm sido colocadas no mesmo balaio. A primeira, que eu considero importante e legítima, é a melhoria e atualização do sistema de medidas socioeducativas para adolescentes, de forma a atender as demandas do mundo de hoje e solucionar as falhas identificadas em 25 anos de aplicação.

Ocorre que a discussão não é essa, a proposta é simplesmente passar os adolescentes para o sistema de punição adulto. Entre os criminosos adultos, a reincidência chega a 70%. No sistema destinado a adolescentes gira em torno de 20%, sendo mais próxima dos 13% no Estado de São Paulo. Na prática, a primeira consequência da redução da maioridade penal seria criar um curso profissionalizante de reincidência criminal para adolescentes.

Além disso, apesar de os defensores da medida darem a entender que 200% dos crimes são cometidos por adolescentes, o número é de 0,9%, caindo para 0,5% - isso mesmo, meio por cento - no caso de crimes violentos. Uma mudança que não afete 99,5% da criminalidade não teria efeito sobre a sensação de impunidade, que nasce de fatos como o de apenas 8% dos homicídios serem punidos no Brasil.

Há países que adotaram essa medida e o resultado sempre foi o aumento da criminalidade. Alemanha e Espanha voltaram atrás, colocando a maioridade em 18 anos de idade, com algumas responsabilidades apenas após os 21 anos.

Ao contrário do que se alardeia por aí, 70% dos países-membros da ONU fixaram esse limite em 18 anos, inclusive os tais "países desenvolvidos". Levando em conta o mesmo critério utilizado para dizer que os europeus punem a partir dos 13 anos, no Brasil, a idade para responsabilização penal é de 12 anos.

O conceito de pagar pelo crime independentemente da idade é adotado por países como o Paquistão, que levou a julgamento por tentativa de homicídio um bebê de 9 meses que atirou uma pedra em um policial.

Apesar dos fatos e contra eles, a redução da maioridade penal faz um sucesso retumbante. A última pesquisa Ibope mostra que 83% dos brasileiros são a favor da redução de 18 para 16 anos. Na pesquisa Datafolha, 93% dos paulistanos são favoráveis e, o mais intrigante, 52% acreditam mesmo que seria a principal medida para reduzir a criminalidade juvenil.

O mais impressionante é que nosso problema é o oposto: assassinatos de jovens. Emnota oficial, o Unicef lembra que "os homicídios já representam 36,5% das causas de morte, por fatores externos, de adolescentes no País, enquanto para a população total correspondem a 4,8%. (...) As vítimas têm cor, classe social e endereço. Em sua grande maioria, são meninos negros, pobres, que vivem nas periferias das grandes cidades."

Também são contrários à redução da maioridade penal o Unicef, o Ministério Público e a OAB. Entre os religiosos, somos contrários os evangélicos representados pela Visão Mundial, a Rede Fale e a Rede Evangélica Nacional de Ação Social, além dos católicos representados pela CNBB.

Defender a redução da maioridade penal é distorcer fatos em nome de surfar numa onda de vingança coletiva que faz um enorme sucesso. É a tentativa surreal de pisotear ainda mais o oprimido e justificar como ação para conter a mão pesada do opressor.

Claro que temos problemas e a população apresenta demandas e anseios legítimos, mas um debate movido a ódio e intransigência jamais trará respostas razoáveis. Um futuro melhor não se constrói com grito nem batendo no peito, é feito de diálogo democrático, aberto, sincero, com base nos fatos. Justamente aquilo que não faz sucesso nas redes sociais.

* O título desse post vem dos comentários recebidos na minha página no Facebook.
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Evangélicos Mobilizam Ato Público contra a Redução da Maioridade Penal



Um grupo de Organizações Evangélicas mobilizam no dia 25 de de março, Ato Público Contra A PEC 171/1993, que deseja reduzir a Maioridade Penal para 16 anos de idade. O evento acontecerá  na  Cinelândia, centro do Rio de Janeiro, às 18:00 H.

Para Reinaldo Almeida, Coordenador do Monitoramento Jovem de Políticas Públicas(MJPOP), a PEC não toca no cerne do problema da violência. “É preciso atacar a causa da violência: a tremenda desigualdade social existente em nosso país e a falta de oportunidades para crianças, adolescentes e jovens, especialmente das periferias“, afirma Almeida. Luciana Falcão, da Lifeworks e da Rede Evangélica Nacional de Ação Social(RENAS), lembra que a “A PEC 171/1993 foi apresentada logo após a Chacina da Candelária, mas precisamente 27 dias. Sua finalidade era transformar em réus as vítimas vulneráveis. Uma descabida solução para a situação de violência naquela época e mesmo para os dias de hoje. Estamos enfrentando rebeliões em presídios e deterioração do sistema prisional".

Juliana Peres, da Rede FALE, entende que a redução da maioridade penal sequer é uma medida paliativa, pois “não contribui com a redução da violência, seja a curto, médio ou longo prazo. A parcela de menores que cometem crimes hediondos é ínfima, principalmente se comparada à parcela de adolescentes assassinada. Prisão não é a solução, mas sim o aprimoramento das resoluções do ECA, das casas de detenção de menores apreendidos, elas devem ser um local de máximas pedagógicas e afetivas e não de violências como vem sendo“

Desde 2013 a Rede FALE e o MJPOP entendem que reduzir a maioridade penal isenta o Estado do seu compromisso com a juventude, por acreditar que faltam políticas públicas que atendam a juventude brasileira e pelo não cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente.
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Para refletir mais sobre o assunto:

Porque Somos contra a Redução da Maioridade Penal 


segunda-feira, 23 de março de 2015

Rede Evangélica Nacional de Ação Social se pronuncia contra a Redução da Maioridade Penal



A Rede Evangélica Nacional de Ação Social (RENAS) nascida há mais de 10 anos e que  congrega instituições sociais de diversas denominações cristãs e organizações baseadas na fé evangélica, divulgou uma carta para parlamentares evangélicos contra a Redução da Maioridade Penal. Recentemente a RENAS e organizações parceiras mobilizaram milhares de pessoas e igrejas nas cidades-sede da Copa do Mundo para atuarem na defesa e proteção das crianças numa campanha conhecida como “Bola na Rede: Entre em campo pelos direitos das crianças e adolescentes”.

Além de se pronunciar contra a Redução da Maioridade Penal, RENAS deseja mobilizar os seus parceiros para assinar uma petição virtual para  conclamar a Frente Parlamentar Evangélica no compromisso de se posicionarem contra a redução da maioridade penal,  na luta efetivação do ECA e do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE). Para participar da Petição Online, clique aqui.

A Rede FALE, faz parte de RENAS e desde 2013 mobiliza parceria com o MJPOP contra a Redução da Maioridade Penal. A Rede FALE e o MJPOP entendem que reduzir a maioridade penal isenta o Estado do seu compromisso com a juventude, por acreditar que faltam políticas públicas que atendam a juventude brasileira e pelo não cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente. Embora alguns meios de comunicação jogam sobre os adolescentes a responsabilidade pelo aumento da criminalidade, apenas 5% dos crimes praticados no Brasil são cometidos por adolescentes. Enquanto isso, é nessa faixa etária que se sofre com a violência, problema que tem piorado nos últimos anos.



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Para refletir mais sobre o assunto:

Porque Somos contra a Redução da Maioridade Penal 



sexta-feira, 13 de março de 2015

O caminho é o amor

Leandro Barbosa
Saímos cedo a caminho de dois abrigos que cuidam de meninas vítimas de exploração sexual. Estava
ansioso, a expectativa de conhecer os projetos, ouvir as histórias e, acima de tudo, o simples fato de estar ali, foi suficiente para me fazer dormir pouco e ser recompensado pelo nascer do sol nordestino que apazigua a alma. A Kombi segue seu destino e quanto mais nos aproximamos dele trocamos o asfalto pela areia num caminho esburacado. Estacionamos, logo avisto a casa. Suas diversas cores parecem sinalizar o motivo pelo qual ela foi criada, “restaurar vidas e renovar a esperança”, diz o slogan. Um homem nos apresenta o projeto e suas instalações. O lugar aconchegante oferece o descanso que outrora foi roubado. Ele nos conta algumas histórias que espero transmitir com a mesma intensidade da conversa e incomodá-los assim como eu também fui.

*Sheila, 14 anos, era mantida como escrava doméstica por sua suposta mãe. As agressões eram constantes e insuportáveis. A menina carregava nos ombros o peso da escravidão. Seus dias se resumiam a faxina e aos cuidados da casa. Foi obrigada a trocar os cadernos e os livros por vassouras e rodos. Não tinha amigos porque não podia sair de casa, e ali não lhe faltavam tarefas “para brincar”.

A mãe adota gêmeos e vende um deles por R$1.800. Sheila, indignada com a venda do bebê e cansada das agressões, se aproveita de um descuido e foge. Procura uma delegacia e conta sua história. Chorando, relata as violações que sofria. Cada palavra lhe cortava alma. O coração pesado pelos traumas buscava meios de se resignar ao momento na busca por justiça.

Durante as investigações os policiais descobriram que seus documentos eram falsos, assim como os dos gêmeos, que nessa altura do campeonato já haviam sido resgatados. Mais um golpe na vida, a garota terá que conviver com a angústia de não saber suas origens. Com a dor por não saber de onde veio.

Hoje Sheila mora em um ambiente saudável, mas escondida, pois corre risco de vida. Os envolvidos na história são “peixes grandes”. Sua suposta mãe é assessora de político e responde em liberdade. A mulher que comprou o bebê é filha de político. A resolução da história segue a passos lentos numa terra que parece não ter lei. Enquanto o processo segue morosamente, Sheila vive no anonimato.

Em seu novo lar, a adolescente cria vínculos num ambiente onde outras garotas partilham da mesma dor. Juntas encontram forças para superar. Na casa, a lei suprema é o amor, elas já sabem o suficiente sobre a dor para terem que viver num ambiente hostil. Ali, se reinventam como família. Compartilham histórias e se encontram umas nas outras.

*Suzana também mora no abrigo e, com menos de 15 anos, já é cheia de histórias pra contar. Sua mãe frequenta uma comunidade religiosa do bairro onde morava. O lugar cheio de doutrinas e conceitos parece trocar a espiritualidade pela estupidez. Os conflitos entre elas se arrastam pelos dias, a menina não quer viver “segundo a lei dos crentes”. A adolescente quer usar suas roupas e maquiagens, um escânda-lo para a mãe, que tem sua paciência esgotada quando descobre que a filha teve relações sexuais. *Suzana é expulsa de casa e encontra lugar nas marquises da cidade.
Hoje no abrigo ela encontra refúgio e tenta compreender a mãe. A dor do abandono e a sensação de ter sido trocada começam a perder lugar para o amor que parece emanar de cada cômodo de seu novo lar.

Antes de partir as vejo sorrindo, ambas estão produzindo enfeites para decorar a casa. Estão felizes! Sentimento conhecido há pouco tempo, mas que encontrou morada no coração e alivia o fardo de cada dia.

História de um outro abrigo
Elas viviam em uma periferia de Recife, quatro irmãs, tinham o futuro ameaçado pela extrema pobreza. Moravam num barraco de lona. No chão um tablado. O mais perto que podiam chegar do luxo. O mau cheiro era constante, os dejetos da comunidade desciam ao terreno da família. O quintal era uma fossa. Nos dias de chuva as coisas pioravam, o terreno alagava e o tablado era coberto por fezes. Conheciam de perto a miséria.

Seus pais, para suprirem o vício, lhes apresentaram o oficio mais antigo do mundo. Elas faziam as preliminares e a mãe terminava o serviço. O salário era um pouco de comida e os pais saciados pelo crack.

Resgatadas pelo Conselho Tutelar, as meninas foram levadas para um abrigo. O lugar, conhecido como “casa do amor” pelas autoridades locais, oferece todo cuidado necessário e, até o dia da entrevista, com as quatro, passaram a cuidar de nove crianças. Seus métodos de trabalho se baseiam em uma coisa, AMAR. O casal que dedica sua vida ao cuidado de todas que estão ou passam ali, transformam a casa num ambiente familiar saudável. As crianças se sentem seguras e como consequência mudam o comportamento. Se abrem ao tratamento necessário para superarem os traumas e encontram a liberdade por terem em quem confiar.

A mais nova das quatro irmãs corre pela casa, passa por todos os cômodos mostrando as fotos que tirou com a nova câmera do abrigo que revela fotos na hora. Ela, que não engatinhou, pois sua casa não lhe dava tempo ou condições pra isso, aproveita cada canto de seu novo lar. Conversamos num dialeto que ela inventou, parece que conseguimos nos entender. Logo me mostra que também sabe contar e dispara: “1, 2, 3, 4,5… 10, 20, 22, 27”, me desafiando a ser mais rápido que ela.

Antes de eu ir embora pergunto a uma das meninas que estava com uma foto na mão: quem são essas pessoas? Ela me responde: é a família. Peço para ver e ali estão as nove com um sorriso do tamanho do mundo e com uma paz nos olhos difícil de descrever. Enfim encontraram o refúgio que a maldade e a vulnerabilidade as impedia de ter.

No caminho de volta meu choro irrompe o silêncio na Kombi. Não consigo controlá-lo. As feridas que me foram expostas me tocaram e de alguma maneira me feriram também. Durante a conversa perguntei ao responsável por um dos abrigos: Qual é o segredo para uma mudança tão rápida em corações tão machucados? Ele me olhou nos olhos e disse: “o amor”. Sorriu e continuou: “o caminho é o amor”.

*Informações e características foram omitidas e/ou modificadas por motivo de segurança
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Leandro Barbosa é cristão e coordena a ONG Atos de Justiça. É apoiador do FALE em BH.