segunda-feira, 31 de março de 2014

Soberania, terra e transgênicos: o discurso convence?

Rebecca Louise Nunn

No Encontro da 4ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional +2 em Brasília, que reuniu representantes da sociedade civil e do governo, conselheiros (as) dos CONSEAs municipais, estaduais e nacionais, promovemos um diálogo sobre soberania alimentar e acesso a terra. A conversa começou com uma história que se desenrolou mais ou menos assim:
Um belo dia, há alguns anos, os técnicos das grandes empresas do agronegócio chegaram aos sítios dos agricultores e agricultoras familiares oferecendo a solução de todos os seus problemas: as sementes transgênicas. De acordo com o discurso persuasivo dos técnicos estas sementes proporcionam a redução no uso de agrotóxicos, facilitam o manejo da lavoura e possibilitam maior lucro à família. Depois da liberação e comercialização da soja (há 15 anos), algodão (2005), milho (2007) e em breve do feijão (2015) transgênico, percebeu-se que este discurso veio para enganar e aprisionar os nossos agricultores.
Os (as) agricultores (as) foram enganados, pois na realidade as sementes transgênicas não reduzem o uso de agrotóxicos. Existem dois tipos de sementes transgênicas: aquelas tolerantes aos agrotóxicos e aquelas resistentes a insetos. Quando plantadas, estas sementes contaminam outras plantas ao redor – as tais “ervas daninhas” – e as tornam também resistentes aos agrotóxicos, e, em consequência, estas plantas se alastram pela plantação. Por outro lado, nem todos os insetos são afetados pelas plantas transgênicas resistentes a insetos e continuam a se alimentar destas plantas e a se reproduzem rapidamente, tornando-se uma ameaça ao cultivo pela ausência dos seus predadores naturais. Diante destas duas situações os (as) agricultores (as) veem a necessidade de usar ainda mais agrotóxicos e de recorrer a outros tipos de agrotóxicos, às vezes, mais tóxicos e até proibidos no país.
Enganados, pois ao invés de facilitar o manejo da lavoura, as sementes transgênicas levam os (as) agricultores (as) a trabalharem na terra para remover as plantas indesejadas e aplicar agrotóxicos para manter sua plantação.
Enganados, pois ao invés de aumentar seu lucro, os (as) agricultores (as) têm maiores gastos com o uso intensivo de agrotóxicos e o trabalho com a manutenção da plantação. Ainda mais, as sementes transgênicas são mais caras que as sementes convencionais e exigem o pagamento de royalties às empresas do agronegócio.
Enganados pela falácia dos técnicos, os (as) agricultores (as) familiares ficam aprisionados pelo contrato assinado com as empresas estabelecendo que não podem trocar sementes com outros agricultores. Aprisionados, pois sua terra está contaminada pelas sementes transgênicas, pois não possuem mais as sementes convencionais e as sementes crioulas que um dia tinham. Aprisionados, pois perderam sua soberania alimentar.
Quando o (a) agricultor (a) perde sua autonomia sobre o que plantar (quais sementes, plantas, alimentos) e como plantar (usando agrotóxicos ou não) devido aos argumentos enganadores do agronegócio, ele (a) perde sua soberania alimentar. Quando as terras plantadas com sementes transgênicas e as terras vizinhas são contaminadas por estas sementes, o (a) agricultor (a) perde o acesso à terra livre da transgenia. Quando o (a) agricultor (a) assume dívidas para pagar pelo uso de sementes transgênicas o seu direito à terra também pode estar ameaçado.
Os cidadãos também perdem sua soberania alimentar, a sua liberdade de escolher os alimentos, quando procuram o milho, o cuscuz ou o óleo de soja livres de transgênicos e não encontram, ou quando não sabem o que significa o símbolo “T” na embalagem dos alimentos comprados ou ainda quando não sabem o que significa um alimento transgênico e o risco trazido à sua saúde.
Vamos Falar em defesa da soberania alimentar e acesso à terra!

Agradecimentos: a Daniela Frozi conselheira do CONSEA nacional que organizou esta atividade integradora, a Gilles Ferment do Grupo de Estudos em Agrobiodiversidade (GEA) do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) que nos trouxe esta discussão; Tchenna Maso da Plataforma Dhesca Brasil (http://www.dhescbrasil.org.br); Marciano Silva da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida (http://www.contraosagrotoxicos.org) e a todos que participaram do diálogo!

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Rebecca Louise Nunn é nutricionista, mestre em Educação em Ciências e Saúde (NUTES/UFRJ), participa do programa da Rede Fale por Soberania Alimentar e Acesso a Terra e é membro da Rio Vivo Igreja Cristã no Rio de Janeiro.

domingo, 9 de março de 2014

Corpos Negados

(JULIANA PERES)*

Quando eu era adolescente, tinha costume de falar que “nasci na época errada”, mas essa afirmação, vindo de uma mulher, hoje em dia, me causa estranheza: sou privilegiada por ter nascido já no fim do século XX. Ser MULHER e CRISTÃ neste tempo é um pouco melhor do que ser mulher e cristã em outros tempos, obviamente (ou não). Ainda estamos num mundo deturpado pelo patriarcalismo e, nele, todas nós mulheres sofremos opressões (e também nos oprimimos mutuamente), desde padrões estéticos a comportamentais, que se desdobram em violências emocionais e/ou físicas. 


Nas igrejas, a acepção entre mulheres e homens é justificada com uma leitura bíblica capenga e compartimentada. E na história da submissão mal contada, os homens precisam ser Homens e mulheres precisam ser crianças (guiadas pelos homens) com útero amadurecido o suficiente para gerar filhos - não poder ter filhos é ser passível de sofrer segregação tal qual a Ana sofria também, uma vez que ser mãe é um status dentro das igrejas - e que conseguem se manter em forma, preferencialmente, mesmo trabalhando fora e cuidando da casa/marido/filhos. Para a igreja, o corpo das mulheres ainda incita o pecado dos homens, como na idade média: é verdade que quando eu dançava na igreja, precisava usar meia calça - legging - body- manga ¾ - blusa – saia – saia, muito mais por razões de pudor do que da estética coreográfica; Também é verdade que um amigo da igreja falou que só queria ter filhos “homens” como fez o pai dele, porque “filha mulher” pode engravidar antes de casar, dando muito trabalho – muitos irmãos também pensam exatamente o mesmo. 


Enfim, ser mulher e cristã nestes tempos ainda é difícil, mas sou feliz por estar ciente da liberdade que Cristo me deu e até poder escrever isso: “Ao saber que uma mulher conceberia o Salvador, Satanás envenenou os corações dos homens contra as mulheres. Com a opressão, desejou mantê-las vivas, mas viva-mortas, e subtraía voz, visão e desejo de todas. Desapercebeu a benção, que pensara ser maldição: as mulheres se uniam em seu sangue, morriam e logo pariam a si mesmas. Um dia a mulher se fez de morada e portal do divino Salvador e este, que deu voz aos mudos, visão aos cegos e desejo aos inertes, deixou-se oprimir pela mão do homem ordenada por corações envenenados. Semelhante à mulher, deixou-se oprimir no seu sangue, morreu e pariu-se, para que todas as mulheres e os homens também pudessem ser morada d'Ele e pari-lO ao se unirem, revivendo-O entre si. E assim foi a prévia vingança do Anjo Caído que se arma e se frustra na trama atemporal.”

*Juliana é falante do Rio de Janeiro e estuda Geografia na UERJ.



sábado, 8 de março de 2014

SOMOS TODOS MULHER

Caio Marçal 
Fonte da imagem: Geledes 

Na literatura bíblica, começa com uma declaração radical. Toda mulher e homem são feitos à imagem de Deus (Gênesis 1:26, 27). Aprendemos nessa rica passagem que os seres humanos ocupam um lugar especial dentre todas as criaturas de Deus por apenas eles serem a imagem de Deus na terra. Portanto, todos os seres humanos têm o mesmo valor e devem ser igualmente respeitados.
Essa preceito é essencial para compreender que, a despeito de nossas distinções relacionadas ao gênero, condição social, etnia, dentre outros, não devem ser usados para menosprezar, controlar ou desconsiderar o outro. Infelizmente, embora o texto bíblico revele que toda mulher estampa em si a imagem e semelhança do Yaweh,  o que a coloca em situação de igualdade em relação ao homem, historicamente elas têm sofrido diversas violências, inclusive no contexto brasileiro.

Tais violências se atestam nos dados alarmantes quanto o número absurdo atingem as mulheres. Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), no Brasil, entre 2001 a 2011, calcula-se que ocorreram mais de 50 mil feminicídios: ou seja, em média, 5.664 mortes de mulheres por causas violentas a cada ano, 472 a cada mês, 15,52 a cada dia, ou uma morte a cada 1h30. É simplesmente lamentável que mesmo homem e mulheres   gozem ante o Criador da mesma dignidade, são elas que experimentam violências por apenas serem o que são. Nossa sociedade, que perpetua traços do patriarcalismo, parece só interessar pela gênero feminino para reduzí-la em objeto de cama e mesa.

Nossa oração é que reconheçamos nossa imensa dívida social e sejamos identificados com suas dores. Ante a toda a violência, seja real ou simbólica contra as elas, juntos possamos ter a coragem de clamar: Somos todos Mulher!


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Caio Marçal é missionário e secretário de mobilização da Rede FALE, mora em BH.

Narrativa insustentável?


(ISAAC PALMA)*

Destituídas de si, quem pode (quem a não ser o homem?) narrar a sua sorte? Caladas, mudas, incomunicáveis, a incompatível natureza servil, o seu nascer já subjugado, o julgamento: CULPADA.

O reflexo da narrativa do homem que povoa parte do mundo com a mais sagrada das instituições o Deus homem, não só criado a sua imagem e semelhança, mas que colabora com o estado e a ordem das coisas. Ai de nós, que somos homens herdeiros de um mundo em decomposição, que nos refundamos, e ainda nos escondemos sob as verdades que nos passaram. Ousamos ainda criar mecanismos para a nossa absolvição, nós que somos os verdadeiros culpados, de manter ainda os nossos benefícios.

Calamos suas vozes múltiplas, reforçamos ainda que imperceptivelmente toda a narrativa que construímos. Desconstruir! Eis a rebeldia inicial. Eis o pacto feminino com o sagrado que as vezes profana suas nem tão santas mãos.

(Fonte da imagem: Geledes )
Não, as mulheres não permaneceram caladas. Nem sempre aceitaram ser subjugadas. Coube a nós (homens) contar a história e repassá-la de modo que as torne IMPERCEPTÍVEIS. Ai de nós que não percebemos, e que ainda queremos ser protagonistas de suas (in)submissas histórias, não percebemos que a mulher (não um ser mulher universal, mas suas múltiplas possibilidades de ser) não nasceu para cuidar de casa, ainda que isso as ensinem desde sempre, desde suas brincadeiras. Mas nasceram sobretudo pra subverter a ordem das coisas, essa ordem insustentavelmente machista. 


*Isaac é falante do Rio de Janeiro e estuda Ciências Sociais na UFF.


sexta-feira, 7 de março de 2014

"Por mais pães com vida"

Por Leonara Almeida

Monocultura tem razão
de possuir, de remediar
praga que veio criar
envenenando o pão?

Terra... és sacra, sã, pura
sábia mãe perdeu o chão
para a ganância que urra
geografia sem padrão

Hoje quem é que jura
ter a tutela em mãos?
Repugna então a "cura"
que adoece o são!

Quem diria terra...
teu imprudente filho
com gana e esmero erra
põe males no pão... no trigo

Cultura e padrão das massas
das mentes, empresas, marcas
achando que tudo passa
mas fica, adoece, mata

Por gerações de quimeras
o legado do veneno
Que diremos, pois deveras
sobre o que não fazemos?

As alternativas temos:
renovar a lógica antiga
contínua em busca de vida
organicamente renovemos!

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Leonara é estudante da UFABC e é articuladora do FALE SP

quarta-feira, 5 de março de 2014

FALE e Igrejas Ecocidadãs promovem Sarau sem Veneno



Já imaginou participar de uma atividade onde pode degustar comidas saudáveis com pratos de com produtos agroecológicos?  A Rede Fale promove junto com as Igrejas Ecocidadãs o “Sarau Sem Veneno”.

Essa iniciativa faz parte da  campanha a “FALE em defesa da vida sem agrotóxico”, que tem o intuito de sensibilizar nossa sociedade e pressionar nossas autoridades quanto ao grave problema do abuso de agrotóxicos no Brasil.

O Encontro será no Metrô Sacomã, dia 7 de março, em São Paulo. Se deseja também participar promovendo alguma atividade como, por exemplo, música, poesia, comédia, fotografia ou dança, se inscreva no link abaixo: