quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Só existe paixão por uma juventude que esteja viva

Rafael Lira




Podemos começar com o que temos colocado em um dos nossos principais projetos: “Paixão pela Juventude”. Isso mesmo, a Juventude Batista Brasileira é apaixonada por seus jovens.

Não é fácil ser jovem no Brasil. Existem muitos desafios para garantir os diretos desta população, que já soma mais de  50 milhões de pessoas com idades entre 15 e 29 anos. Desde a  conquista do emprego ou de uma  educação de qualidade, até a garantia do direito à vida, que queremos destacar aqui.

Alguns números vão nos ajudar a entender o que há errado no nosso país, quando o assunto é o direito dos jovens à vida.

Os dados do Mapa da Violência 2014 coloca o Brasil no 7º lugar no ranking de homicídios mundiais. Entre cem países analisados, fica atrás de El Salvador, da Guatemala, de Trinidad e Tobago, da Colômbia, Venezuela e de Guadalupe. Foram 56.337 mortes em 2012, o maior número desde 1980. A taxa de homicídios no País ficou em 29 casos por 100 mil habitantes. Vale lembrar que a Organização Mundial da Saúde considera números a partir de 10 mortes por cem mil, situação epidêmica.

Rafael Lira, jovem Batista brasileiro conversando sobre a importância com da aprovação da pl 4471 com o deputado Lincoln Portela, do PR/MG. Segundo o deputado Lincoln, a pauta já está passificada no seu partido, apoiando o projeto de lei.
É verdade que o Brasil já esteve em posições piores no ranking, mas os dados do Estudo não deixam de ser alarmantes. Especialmente porque revelam uma seletividade social na dinâmica da violência. Ao fazer um recorte racial entende-se porque os dados não apresentam grandes mudanças nas taxas globais de homicídios. Brancos têm morrido menos e os negros mais. Na última década, os homicídios de jovens brancos caiu 32,3%, enquanto os de jovens negros subiram na mesma proporção (32,4%)

Em 2012, mais da metade (53,04%) dos homicídios brasileiros vitimaram pessoas entre 15 e 29 anos. Foram 30 mil jovens assassinados. Desse total, 77% eram jovens negros. Neste ano, morreram proporcionalmente 146,5% mais negros do que brancos no Brasil.

Pois é, a juventude brasileira tem sido mera estatística e nos piores cenários possíveis. Hoje, ser jovem empobrecido, negro e pardo representa um risco de vida. É preciso dar graças a Deus pelas orações dos amigos e familiares. Diariamente encontramos mais e mais jovens mortos e a principal causa é o racismo. É amigo, você pode até achar que  não existe isso no Brasil, mas os números estão aí e não me deixa mentir.

O cotidiano dos jovens negros está marcado pelo preconceito racial, muitas vezes, institucionalizado, que cerceia direitos e coloca em risco a própria vida. Temos depoimentos de pessoas que admiramos muito e que estão na nossa liderança. “Já deixei de ser aprovada em um local de estágio por ser negra, e a resposta que me deram foi que esqueceram de pedir a foto pois fui muito bem na seleção mas no local não era comum ter clientes negros e portanto colaboradores também não. Infelizmente em alguns locais do nosso país, o racismo pode ser velado, mas ele existe. Não quero ser melhor ou pior por causa da minha cor, luto por igualdade de direitos civis para todos, uma vez que o Deus que eu sirvo nos fez e nos reconhece assim, sem distinção de sexo, raça e cor.” Kátia Braz Souza, coordenadora de liderança da Juventude Batista Brasileira. “Nasci e fui criado em uma favela carioca, minha mãe soube educar o filho no caminho que ele deve andar, hoje não me esqueço do caminho, porém na caminhada, perdi as contas de quantos jovens daquela favela se foram. Nessa realidade diante de muitas histórias há a de um jovem amigo que infelizmente não  teve a oportunidade de vivenciar a plenitude da juventude por ter a sua vida tirada por autoridades policiais. Poderia ter sido eu, ou qualquer outro. No final seria menos um favelado.” Leonardo Fróes, Coordenador de Juventude e Sociedade da Juventude Batista Brasileira.

Uma das faces mais cruéis desse cenário é a banalidade com que querem nos fazer tratar a morte diária da juventude negra e pobre. O silêncio, a indiferença e a impunidade. Não podemos tolerar isso. A Juventude Batista Brasileira quer os jovens do Brasil vivos, quer que eles conheçam o reino de Deus que é de amor e justiça.

Por isso, nós queremos o fim dos autos de resistência. Junto com diversos outros atores da sociedade
civil e governamental, exigimos a urgente aprovação do Projeto de Lei 4471.

O PL, de autoria do deputado federal Paulo Teixeira, propõe alteração no Código de Processo Penal para que seja possível a investigação das mortes e lesões corporais cometidas por policiai no exercício de sua atividade profissional. Hoje, casos assim são registrados como resistência seguida de morte e não são investigados. O auto de resistência é uma medida administrativa criada durante a ditadura militar para dar legitimidade à repressão policial e até hoje nada mudou.

Jovens batistas como Rafael Lira, tem feito ações sensibilizando os deputados e participando de reuniões para tentar garantir que a pauta entre em votação da Câmara dos deputados na semana do dia 8 de dezembro.

Dia 10 de dezembro é o Dia Mundial dos Direitos Humanos. As lideranças juvenis indicaram este dia como uma data simbólica para que o PL 4471 seja aprovado, mas como qualquer direito no Brasil é conquistado e não dado, convocamos você jovem, batista, cristão ou não a somar com a gente nesse esforço para mudar a realidade dos milhares de jovens negros que morrem, diariamente, em nosso país.

Pra finalizar, digo o mesmo que escrevi no início somos apaixonados pela nossa juventude, mexeu com ela mexeu com a gente também.
Selfie  da reunião no gabinete do presidente da câmara dos deputados, Henrique Alves do PMDB/RN com deputados, lideranças governamentais e da sociedade civil articulando a entrada do projeto de lei na pauta e a sua aprovação entre os líderes dos partidos.



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Rafael Lira tem 29 anos, faz parte da Rede FALE e  da Juventude Batista do Estado de SP. Educomunicador, engajado em causas socioambientais e coletivas em favor dos Direitos Humanos de adolescentes e jovens do Brasil. Fez parte do Conselho Nacional de Juventude  entre 2010 e 2011. Integra a Diretoria institucional da Viração Educomunicação, organização que trabalha temáticas ligada à juventude e comunicação no Brasil.

Texto publicado originalmente em : http://www.juventudebatista.com.br/artigo2/so-existe-paixao-por-uma-juventude-que-esteja-viva/

domingo, 14 de setembro de 2014

Reforma Politica é com participação - Um relato sobre o Plebiscito Popular

Na primeira semana de setembro de 2014, pela força da coalizão de diversas organizações, igrejas e movimentos sociais no pais, foi organizado o Plebiscito Popular por uma Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Política. A Rede FALE participou de todo esse processo. Segue o relato de um falante de Uberaba, o Renan Porto.

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Renan Porto votando no Plebiscito Popular
        Dentre as diversas pautas que borbulharam nas manifestações de junho de 2013 nas ruas do Brasil, o clamor pela reforma política foi muito presente. Mas, para além deste clamor explícito, as manifestações em si eram uma demonstração da necessidade de mudança do sistema político. A multidão que tomava as ruas era uma forte expressão de que os aparelhos representativos do Estado já não estão funcionando, e um sintoma claro disso é como o mesmo responde ao povo nas ruas com violência e repressão.
De lá até aqui surgiram diversas iniciativas e práticas de coletivos, redes, movimentos sociais, que mostraram outra forma mais bonita de se fazer política, com mais cara de povo e jeito de rua. Umas dessas iniciativas foi o Plebiscito Popular por uma Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político, que conseguiu unir mais de 450 entidades na luta pela reforma política, criando mais de 1700 comitês locais espalhados por todos os estados brasileiros, fazendo fortes mobilizações e finalmente sendo realizado na semana da pátria, nos dias 1 a 7 de setembro.
Este Plebiscito foi uma consulta popular feita à população perguntando se ela era a favor ou não de uma constituinte exclusiva e soberana para fazer a reforma política. As votações se deram nas urnas que foram organizadas pelos comitês locais e também pela internet. Agora a campanha está na fase de apuração das urnas, mas, já foi informado que pela internet mais de 1,7 milhão de pessoas votaram, sendo 97% dos votos favoráveis.
A experiência de ter participado dessa campanha foi muito rica. Ajudei a formar o comitê local em Uberaba-MG e também dei uma força na formação do comitê de Jequié-BA. Pude conhecer gente de diversos movimentos sociais e outras organizações através de encontros nacionais e locais. Foi uma ótima oportunidade de ir para as ruas dialogar com a população sobre a política e ver claramente a insatisfação do povo com os nossos representantes e o desejo pela reforma política.
Pude perceber a forte participação dos católicos na construção do Plebiscito, como a da Dona Ilma em Uberaba, que tive o enorme prazer de conhecer; mesmo já idosa, ela estava sempre presente nos encontros e era super participativa. Ela era uma bonita demonstração de uma espiritualidade cristã engajada na luta por justiça e pela transformação da sociedade.
Mas, a luta pela reforma política não termina com o Plebiscito. E existem organizações evangélicas comprometidas com essa luta, como a Rede Fale. Como cristãos comprometidos com a justiça, precisamos mobilizar nossas comunidades para se envolver na luta por um sistema político mais justo, que represente mais os interesses do povo e, mais que isso, que permita a participação popular no governo de suas cidades e suas vidas. Só assim poderemos realmente combater as injustiças que são causadas quando uns poucos usam da coisa pública para os seus interesses próprios.
Deixo a reflexão do texto bíblico do profeta Isaías e que ele nos sirva de inspiração:

“Porventura não é este o jejum que escolhi, que soltes as ligaduras da impiedade, que desfaças as ataduras do jugo e que deixes livres os oprimidos, e despedaces todo o jugo? Porventura não é também que repartas o teu pão com o faminto, e recolhas em casa os pobres abandonados; e, quando vires o nu, o cubras, e não te escondas da tua carne? Então romperá a tua luz como a alva, e a tua cura apressadamente brotará, e a tua justiça irá adiante de ti, e a glória do Senhor será a tua retaguarda. Então clamarás, e o Senhor te responderá; gritarás, e ele dirá: Eis-me aqui. Se tirares do meio de ti o jugo, o estender do dedo, e o falar iniquamente;”

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

VOTO DE CAJADO: O ESCÂNDALO DA POLÍTICA EVANGÉLICA


É chegado mais um momento de corrida eleitoral na democracia brasileira. Tradicionalmente, as eleições são, para muitas pessoas, os únicos momentos em que se propõem a debater os processos de exercício da política. Lamentamos que a reflexão sobre nossa realidade política não seja parte do dia a dia, no acompanhamento de parlamentares, na discussão das grandes questões nacionais, na participação social e no monitoramento de políticas públicas, o que nos permitiria dar um salto qualitativo na construção de nossa democracia e num projeto de nação mais justo e equânime, com ética na política e boa governança nas políticas públicas.
Como observado desde a redemocratização e de forma crescente nos últimos anos, o voto evangélico é um dos componentes de grande destaque do processo eleitoral. Fruto da maciça expansão evangélica, sobretudo pentecostal, bem como de seus efeitos mesmo nos segmentos do chamado protestantismo histórico, a participação cada vez mais ativa de atores evangélicos dos mais variados matizes e concepções políticas e teológicas na política brasileira impõe um desafio de análise a todos que se detém a compreender a conjuntura eleitoral. Se por um lado, o tradicional desinteresse evangélico pela política já foi superado e cada vez mais os crentes deixam de voltar seus olhares apenas para o porvir; por outro, o investimento evangélico na política comporta uma série de práticas distintas e heterodoxas que não estão em consonância nem com a melhor tradição cristã de participação política (por ex., William Wilberforce, Abraham Kuyper, Martin Luther King Jr., José Míguez Bonino, Guaracy Silveira, Paulo Wright), nem com valores republicanos e democráticos.
No Brasil, há dois perigos diante do cristão que compreende que precisa atuar politicamente: o primeiro é achar que simplesmente por “ser crente” está abençoado para a política. Essa é a concepção que leva milhões de brasileiros a votar no “pastor” ou no “irmão abençoado pelo pastor”. Como consequência, muitos parlamentares são eleitos sem compromisso com a justiça ou a democracia, e sem coerência partidária, programática ou ideológica, e se tornam “despachantes de igrejas” – gente que vota sempre para a expansão do poder de suas igrejas, associações, rádios e empresas. Por fim acaba-se acreditando que a única – e mais rápida – solução para o Brasil é eleger um governante ou parlamentar “crente”, e declarar de boca que “o Brasil é do Senhor Jesus Cristo”. O segundo problema tem maior profundidade: é quando os cristãos acham que podem transformar a declaração fundamental do “eu creio” da sua fé em lei para ser imposta pelo Estado. Isso ocorre quando queremos reduzir o que consideramos a Revelação de Deus a uma mera proposição de solução para nossos problemas cotidianos, acreditando que existe uma “política cristã” ou uma “economia cristã”; ou seja, que sistemas políticos e econômicos podem expressar “fé”. Eles podem ser interessantes, justos, úteis e efetivos, mas não podem expressar fé no sentido da Revelação!
Nós da Rede FALE, cidadãs e cidadãos cristãos que compreendem e identificam sua missão na defesa dos direitos humanos e da justiça, denunciamos dois anos atrás, durante o último período eleitoral, o “voto de cajado”, assim conceituado a partir de uma metáfora que carrega em si o emblema da modernização conservadora que tanto nos assola: trata-se da releitura das velhas práticas de exercício do poder, incidindo de forma autoritária sobre o comportamento eleitoral da população (consagrado na literatura política como “voto de cabresto”), agora replicadas por pastores evangélicos junto a seus rebanhos nos arraiais evangélicos de todo o país. Evidentemente, nossa denúncia tem por alvo certas formas específicas de interseção entre as campanhas eleitorais e o eleitorado evangélico. Queremos afirmar novamente, de forma clara e inequívoca, nossa perspectiva sobre o que consideramos como “voto de cajado” e uma aberta condenação desta prática como traição à melhor tradição cristã de participação política.
Declaramos que a fé não pode ser tratada como moeda para se conseguir vantagens materiais ou simbólicas e é lamentável que a sede de poder, que tem contornos diabólicos, seja ainda hoje uma tentação para muitas lideranças cristãs. Os pactos espúrios com partidos ou candidatos para conseguir benefícios para igrejas ou denominações, como, por exemplo, a doação de terrenos para templos, obter concessões de rádios e TVs ou mesmo obter tratamento diferenciado perante a lei, são apenas alguns tipos de barganha, “acertos”, acordos e composições de interesse que infelizmente costumam acontecer “por trás dos púlpitos”, durante as campanhas eleitorais, envolvendo políticos e candidatos evangélicos. O papel da Igreja na sociedade, como bem disse o pastor batista Martin Luther King Jr., não é servir ao estado ou ser seu senhor, mas zelar para ser sua consciência crítica. Por isso, entendemos que a Igreja, antes de desejar as salas de poder, deve estar pronta para o Serviço, para a busca da justiça e para a propagação do Amor, valores capazes de transformar as estruturas da sociedade.
Somos a favor de que haja nas igrejas um processo comunitário de reflexão, oração e investigação de temas e os lideres devem se empenhar para que seus membros votem com ética e discernimento. Porém, a bem de sua credibilidade, eles devem evitar transformar o processo de elucidação política num projeto de manipulação e indução político-partidário. Ademais, no debate político-partidário, a opinião dos líderes deve ser ouvida apenas como a palavra de um cidadão/ã, e não como uma profecia, e a ética pastoral indica que ele/a não deve favorecer sua inclinação pessoal em detrimento da dos outros irmãos/ãs.
Denunciamos, portanto, como “voto de cajado”, as seguintes práticas e outras similares a estas:
- O uso do poder pastoral para guiar a consciência dos fiéis, como um curral eleitoral, em benefício de qualquer candidato.
- A utilização das Sagradas Escrituras ou de imagens bíblicas de forma capciosa, a fim de legitimar a candidatura de uns e demonizar a candidatura de outros.
-  A venda de consciência e dos votos dos membros da igreja a algum candidato, em troca de recompensas materiais concedidas “a liderança, congregação ou denominação.
- A permissão do uso do púlpito como plataforma de propaganda partidária e eleitoreira, ou de apresentação de quaisquer candidatos para fins eleitorais.
- A coação ou ameaça aos subordinados ou membros da igreja para que manifestem inclinações políticas iguais às de seus líderes para eleger candidatos de fora ou de dentro da igreja.
- A transferência da imagem de pastores ou líderes religiosos para candidatos em propaganda eleitoral, afirmando-os como candidatos escolhidos por Deus ou demonizando seus concorrentes.
- Lideranças evangélicas que demonizam opções políticas diferentes das suas, caluniando-as, em vez de ajudarem a fazer o debate sobre as propostas dos candidatos.
Convocamos os/as irmãos/ãs a terem cuidado com lideranças que defendem que as igrejas tenham “candidatos oficiais” para defender isso ou aquilo em nome da fé. Avalie propostas e programas de governo, investigue a trajetória dos candidatos, compreenda quais as principais funções e papéis que serão desempenhados pelos candidatos, vote com sua consciência!

Nesse momento especial de nossa nação, cumpramos com integridade e espírito Público nossa vocação de cidadãos e cidadãs brasileiros. Para os nossos irmãos e irmãs de fé, nosso estimulo é: “pratique a justiça, ame a misericórdia e ande humildemente com o seu Deus” (Miqueias 6.8).

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

A viúva persistente e o Plebiscito Constituinte…

* Por Ana Elizabete Machado 

“Jesus contou uma história para mostrar que é necessário orar sempre, sem desistir: 'Havia um juiz em determinada cidade que não se importava com Deus nem com as pessoas; mas uma viúva estava sempre atrás dele, pedindo: “Meus direitos estão sendo violados. Faça alguma coisa!”. Ele nunca dava atenção à mulher, mas, como ela não desistia, ele disse a si mesmo: “Não me importo com Deus, e menos ainda com as pessoas. Mas essa viúva não vai me dar sossego. Melhor eu tomar providências para que ela receba justiça. Do contrário vou acabar maluco com essa insistência”.' Então o Senhor disse: 'Vocês ouviram o que disse aquele juiz, apesar de ser tão mau. Por que pensar, então, que Deus não fará justiça ao seu povo escolhido, que sempre clama por ajuda? Acham que Ele não vai ajudá-los? Garanto a vocês que vai, e sem demora. Mas a pergunta é: quanto dessa fé persistente o Filho do Homem vai encontrar na terra quando voltar?'”
Lucas 18. 1-8 (Tradução A mensagem, de Eugene Peterson)

Esta parábola sempre me intrigou muito, ela me faz refletir muitas coisas, mas hoje eu gostaria de fazer uma comparação desta história, com parte da nossa história brasileira contemporânea. Nestes nossos dias temos visto que o sistema político brasileiro tem demonstrado falhas gerando corrupção e injustiça. E certamente se olharmos nossa história política muito já foi melhorado, no sentido de que o poder não está somente na mão de um ou um determinado grupo, hoje podendo todos participarem das decisões do país, estado e cidade, através de representantes. Hoje temos a possibilidade de colaborarmos, mesmo que representados (e votar não é a única forma de participar!), com a construção contínua do país, um país mais justo. Mas ainda temos regras não muito justas no nosso sistema político, uma delas, por exemplo, é o financiamento privado das campanhas políticas, pois o que temos visto acontecer é que grandes empresas/instituições fazem “doações” nas campanhas e, depois do candidato eleito, cobram de volta em forma de favores. Isto, a Bíblia já nos alerta, é injusto e o Senhor cobrará, pois o que Deus exige das relações sociais é justiça, principalmente a aqueles mais necessitados, que na Bíblia aparecem nas figuras dos órfãos e das viúvas.

Quando olho para esta viúva da parábola de Jesus e para o povo brasileiro que ainda clama por leis justas, penso que estas histórias se tocam, e a história do passado pode nos ajudar hoje. A viúva mesmo sabendo que o juiz era injusto não desistiu de que ele fizesse justiça. O juiz injusto, mesmo não temendo a Deus e nem respeitando as pessoas, fez justiça à viúva persistente. É interessante observarmos o que Jesus fala sobre esta história, como ele elogia a persistência da mulher, mas ao final foca em uma pergunta: será que as pessoas estão dispostas a acreditar (e, como consequência desta fé, também lutar/persistir) pelo alcance da justiça dos homens?
Dos dias 1 a 7 de setembro um conjunto de movimentos populares do Brasil têm convocado a população brasileira para que clamemos ao governo e ao congresso uma reforma política justa. Este movimento estamos chamando de Plebiscito Constituinte (http://plebiscitoconstituinte.org.br/), que é uma consulta à população brasileira, se ela quer que as leis do jogo político mudem, e como o povo quer que elas mudem. A pergunta deste plebiscito popular é: “Você é a favor de uma Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político?”. Uma constituinte é uma assembleia que vai mudar leis fundamentais do país, exclusiva é que se elegerá pessoas especificamente para estas discussões e soberana porque ela será a nova lei maior sobre o sistema político brasileiro. Se você tem mais dúvidas, entre no site e veja todas as explicações. Você pode votar online ou em uma urna na sua cidade.
Então, se você acha que, assim como a viúva, é preciso persistir na justiça, conclamamos você a votar SIM neste plebiscito popular! Sempre orando ao Senhor, vamos continuar lutando e persistindo perante as autoridades para que no nosso país a vida seja mais justa! Vamos persistir para que se faça justiça no sistema político brasileiro! Vamos votar SIM! Ou será que já não temos mais fé persistente, como Jesus perguntou?

Nós da Rede Fale, uma rede cristã de pessoas que oram e agem em favor da justiça, estamos juntos neste movimento acreditando e persistindo na luta por um país mais justo, começando pela reforma do sistema político brasileiro.



Ana Elizabete Machado é Coordenadora de Formação da Rede Fale.

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Evangélicos participam do Plebiscito Popular pela Reforma Política

De 1º e 7 de setembro a população brasileira poderá, em um plebiscito popular, responder a seguinte pergunta: "Você é a favor de uma Constituinte Exclusiva e Soberana sobre o sistema político?". A consulta, que não tem efeito legal, servirá como demonstrativo da necessidade de uma mudança efetiva no sistema político-partidário que dê conta da representatividade da sociedade.
Espera-se colher até 10 milhões de votos ao longo de uma semana de campanha na qual também se buscará angariar assinaturas para o Projeto de Lei Popular pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas. Para Morgana Boostel, coordenadora de articulação da Rede FALE, “esse é um importante momento para a sociedade brasileira se posicionar ante a necessidade de transformar as estruturas políticas do nosso país. Vivemos um modelo viciado, em que apenas o interesse econômico tem vez e voz; é preciso mudar!”.
Renan Porto, articulador da Rede FALE no Triângulo Mineiro, pondera que “faz parte de nossa missão influenciar o país na construção de estruturas mais justas, assim cumprimos o mandamento de Deus de cuidar dos mais fracos e menos favorecidos da sociedade”.
Serão urnas espalhadas em diversas cidades do país. Votos também poderão ser realizados pela internet, com número do CPF, no site do Comitê Plebiscito Constituinte, www.plebiscitoconstituinte.org.br.
O plebiscito popular pela reforma política conta com cerca de mil comitês espalhados pelo país. A Rede FALE esteve presente na formação da coordenação nacional, ainda em setembro de 2013. A organização soma hoje mais de 400 entidades, entre movimentos sociais, igrejas, sindicatos, partidos e coletivos. Somam-se a esse grupo outras organizações cristãs como Visão Mundial, Conselho Nacional de Igrejas Cristãs-CONIC, Evangélicos pela Justiça-EPJ, Coletivo Ame a Verdade, entre outros.

Real necessidade?

Alguns números ajudam a entender o cenário político brasileiro e a necessidade de uma reforma política. Aproximadamente 70% dos deputados e senadores representam grandes empresários e o agronegócio. Será que sete em cada dez brasileiros são donos de latifúndios ou de corporações?
Esse fenômeno pode ser explicado pelo fato de que 95% do financiamento de campanha é oriundo desses grupos, e não estamos falando em pouco dinheiro. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o gasto com a campanha de um deputado federal em 2010 era, em média, de R$ 1,1 milhão. Para se eleger ao senado, o gasto saltou de R$ 4,5 milhões para R$ 5,6 milhões. Quem consegue se eleger sem recorrer a um financiador que não cobrará retorno?
Além disso, as mulheres no Brasil, de acordo com o IBGE, são 51% da população brasileira e 52% do eleitorado. No entanto, esses números não se refletem na representação no Congresso Nacional. A atual bancada feminina na Câmara Federal representa apenas 8,77% do total, com 45 deputadas. No Senado, há 12 senadoras, dentre os 81 lugares.
Mais informações

domingo, 10 de agosto de 2014

Violência contra as Ocupações em BH

Portanto, visto que pisais o pobre e dele exigis um tributo de trigo, edificastes casas de pedras lavradas, mas nelas não habitareis; vinhas desejáveis plantastes, mas não bebereis do seu vinho.
Amós 5:11-12

A partir de amanhã, dia 11, poderá acontecer um massacre por culpa da Prefeitura de Belo Horizonte (proprietária de parte do terreno) e do Governo de Minas Gerais (que comanda a Polícia Militar). Os moradores das Ocupações Rosa Leão, Esperança e Vitória, que conta com mais de 8.000 famílias,  graças a uma liminar irresponsável de uma juíza, concedendo reintegração de posse de um terreno que nunca serviu para nada, terão que sair do único lugar que têm para viver.

O déficit habitacional em Minas Gerais é de 474 mil moradias, das quais 115 mil somente na Região Metropolitana de Belo Horizonte. No Brasil  o déficit é de 6,273 milhões de domicílios.O problema de moradia atinge a 22‰ da região metropolitana da capital mineira.    Infelizmente, percebemos que não há interesse de resolver  o acesso à moradia em Minas Gerais. Apenas o número de casas de alvenaria levantadas por essas ocupações localizadas no Isidoro por essas famílias carentes, é maior que a soma de casas construídas pela prefeitura de Belo Horizonte e Estado nos últimos anos.

Ontem, estivemos na Ocupação Rosa Leão, que desde que começou a existir, participamos como apoiadores dessa ocupação, assim como vários movimentos e atores na defesa do direito humano básico por moradia em Minas Gerais. Levamos alguns donativos para a Dona Neide, mencionada na reportagem AQUI. A propósito, Dona Neide e seus filhos e netos não têm para onde ir, assim como todos os outros moradores. A filha mais nova dela tem 3 anos de idade. A mais velha, com mais de 20 anos e com 3 filhos, precisa urgentemente de emprego (já fez 6 entrevistas recentemente, sem sucesso).

Nessas ocupações urbanas vivem trabalhadores que sofrem com a lógica excludente que ainda permeia nossas cidades e que simplesmente não têm outro lugar para morar, que foram despejadas ou que não têm como pagar o absurdo preço de aluguel que aumentou muito mais que a inflação nos últimos anos. A Polícia Militar, que nos bairros de classe média trata todo mundo bem e com cordialidade, vai lá quase todos os dias e  tratando os moradores como gado.

Denunciamos a incapacidade de diálogo e interesse das autoridades locais em relação as ocupações. Lamentamos que enquanto as poderosas empreiteiras tem acesso total irrestrito junto aos governantes, resta o povo pobre a negação de direitos fundamentais. É com tristeza que novamente iremos testemunhar que mais uma vez a PM  vai agir com truculência usando balas de borracha, spray de pimenta, cacetetes e destruindo as casas do povo simples.

Rede FALE BH

sexta-feira, 25 de julho de 2014

Marcha para Jesus?

André Gumarães
Já há mais de 20 anos, em vários lugares do mundo, inclusive no Brasil, uma vez por ano pessoas se encontram e orientadas por um trio elétrico cheio de lideranças evangélicas a marchar por Jesus. Mas o que é marchar por Jesus? Como podemos marchar por Jesus? É possível marchar para Jesus e fecharmos os olhos diante de tanta injustiça social? 
O livro do Profeta Isaías nos alerta sobre um povo religioso e muito festivo que vivia na iniqüidade (fechava os olhos diante das injustiças cometidas contra os direitos dos órfãos e viúvas) que aborrecia a Deus. Não podemos marchar para Jesus e achar que a responsabilidade diante da injustiça social é do político A ou B, pois somos convocados para nos tornarmos seguidores e seguidoras de Jesus e temos assim, como ele, a unção profética do Espírito Santo de trazer boas notícias aos desprovidos de esperança, de cuidar dos que foram desprezados pela sociedade, trazer liberdade aos que são reféns deste sistema social tão injusto. 
Infelizmente percebemos que durante estes anos as pessoas tem marchado, mas a situação continua a mesma! Nunca morreu tantos jovens vitimados pela violência! Nunca tivemos tantas agressões contra mulheres, sem falar da corrupção ainda tão presente em nosso meio. Pessoas privadas de liberdade em condições de degradação, adolescentes sendo prostituídas e tratadas como lixo humano, hospitais como verdadeiros matadouros! Na condição de servos e servas de Deus, onde estamos diante de tudo isso? Nos reunimos, para tudo, para louvar, adorar e marcharmos para Jesus, menos como voz profética de denúncia destes pecados, assim como homens e mulheres de Deus no no passado! Temos que ser voz profética diante daqueles que estão sendo injustiçados: "Erga a voz em favor dos que não podem defender-se, seja o defensor de todos os desamparados. Provérbios 31:8
Lembremos que o sangue daqueles que morrem por conta das injustiças está em suas mãos e assim como esteve nas mãos daquele povo festivo denunciado pelo profeta Isaías...“Quando vocês estenderem suas mãos em oração, esconderei de vocês meus olhos; mesmo que multipliquem as suas orações, não as escutarei! As suas mãos estão cheias de sangue!“ Isaías 1:15. Suas orações podem ser negligenciadas por Deus por conta da sua omissão como servo(a) diante das injustiças cometidas aos necessitados..
O chamado de Deus para seus servos é que nos dá a oportunidade de aprender e buscar a sua vontade, que é exemplificado na fala do profeta: aprendam a fazer o bem! Busquem a justiça, acabem com a opressão. Lutem pelos direitos do órfão, defendam a causa da viúva”  Isaías 1:17
Deus através do Profeta Isaías e bem categórico quando diz: acabem com a opressão. Isso significa que é uma responsabilidade, uma ordem expressa de Nosso Deus para aqueles e aquelas que seguem a vontade de Deus expressa em Jesus Cristo!! O próprio Jesus diz no seu evangelho registrado em Mateus 6, 33 que deveríamos buscar o Reino de Deus e sua Justiça! 
Mas uma vez as escrituras nos colocam uma ordem!  Reino de Deus não coexiste com a opressão aos direitos dos necessitados!! Ser Seguidor e Seguidora e ter sede e fome de Justiça (Sendo sal e luz diante de tamanha corrupção... Sendo voz profética contra a injustiça social e contra a violência) Que a vida abundante expressa através de Nosso Senhor Jesus seja nossa referência! Ao invés de marchar para Jesus, seja primeiro seguidor(a) do seu testemunho e de sua vida de Amor e opção pelos sofredores(as) desta terra.
Povo de Deus, não sejamos como o povo denunciado pelo Profeta Isaías, mas sejamos, de fato, um povo que Ore e Ame a Justiça do Reino de Deus!!

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André é evangelista metodista e da Rede FALE RJ

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Carta Pastoral da Rede Fale-RJ: Liberdade para os presos pela arbitrariedade do Estado brasileiro

Mescla de imagens do ato em defesa de Rafael Braga Vieira
e dos ativistas presos, em frente ao TJRJ, 22/07/2014
Carta Pastoral da Rede Fale-RJ:
Liberdade para os presos pela arbitrariedade do Estado brasileiro

Rio de Janeiro, 23 de julho de 2014

“O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para pregar boas novas aos pobres. Ele me enviou para proclamar liberdade aos presos e recuperação de vista aos cegos, para libertar os oprimidos e proclamar o ano da graça do Senhor.” (Lucas 4: 18-19)


Nós, cristãos e cristãs da Rede Fale-RJ, que lutamos pela defesa da vida e pelo acesso a dignidade dos/as jovens privados de liberdade e/ou em situação de abrigamento e/ou vítimas de violência, estamos nas ruas, nas igrejas, assembleias populares e outros espaços de participação (oficiais ou informais) reivindicando, tanto para para a juventude como para toda a população, aquilo que entendemos como a “vida em abundância” (João 10:10) oferecida por Jesus: ela inclui o direito, a dignidade, as oportunidades justas, a saúde, a segurança, a liberdade e tudo mais que integre uma vida plena. Em nossa caminhada na defesa e promoção de direitos, perseguimos com Esperança, Fé e Amor, a profecia de Isaías:  "Não mais haverá na cidade criança que viva poucos dias, nem idoso que não complete seus anos de idade." (Isaías 65:20a).

Muito nos entristece que, agora, além de levantar nossa voz pelo jovem Rafael Braga Vieira (único condenado nas manifestações de junho de 2013 e encarcerado há mais de um ano), também precisamos exigir a liberdade de vários ativistas que, com sua luta, colocam também em questão o injusto e racista sistema judiciário brasileiro e a fragilidade das instituições que o compõem.

Muito nos preocupa também o linchamento moral que a grande mídia vem fazendo com os ativistas presos, pois sabemos do que determinadas grandes empresas da comunicação são capazes. É visível o papel que os meios de comunicação têm no julgamento que se faz de quem quer que seja. Os meios de comunicação que legitimam cotidianamente o assassinato de jovens nas favelas por agentes do Estado, agora legitimam a violação do direito à liberdade daqueles/as que estão nas ruas, nas redes, nas escolas, nas universidades, nos grupos de advogados de direitos humanos, nas ONGs, nos sindicatos e nos movimentos independentes, etc. Sobre esta mídia que usa o seu poder para manipular opiniões segundo os seus interesses, a Bíblia nos ilumina: “Não espalharás notícias falsas, nem darás testemunho ao ímpio para seres testemunha maldosa. Não seguirás a multidão, inclinando-te para a maioria, para torcer o direito” (Êxodo 23:1-2). Escolhemos fomentar a reflexão, exercendo o discernimento, em defesa da justiça.

Clamamos por Paz com Justiça e Dignidade para o povo brasileiro! Pela desmilitarização do sistema judiciário e dos meios de comunicação das grandes empresas, que legitimam a violência das forças policiais.

Clamamos por mais democracia, liberdade de ir e vir, de se comunicar, de manifestar publicamente o pensamento!

Rogamos pela libertação de Rafael Braga Vieira, preso há mais de um ano, e de todos os ativistas presos recentemente!
Oramos pelo arrependimento daqueles que vêm trazendo palavras de confusão, colocando o povo contra o povo, em vez de anunciar a verdade!


Conhecerão a verdade e a verdade os libertará” (João 8: 32)

Com Fé, Esperança e Amor!


Rede Fale-RJ

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Relato - Experiência com Agricultura Familiar

Pedro Grabois

Dia 2 de abril de 2014, Mendes, pequena cidade do interior do estado do Rio de Janeiro. Cerca de 30 pessoas reunidas debaixo do sol num pequeno sítio de alto de morro, entre produtores rurais, técnicos do SEBRAE, instrutores do Programa de Produção Agroecológica Integrada e Sustentável (PAIS) e funcionários da prefeitura de Mendes. O objetivo do encontro: oferecer uma capacitação e promover um mutirão para implementar um sistema interessantíssimo de produção agrícola sem o uso de agrotóxicos. O sistema inclui: materiais para a irrigação por gotejamento (a partir de uma caixa d’água de 5 mil litros), um galinheiro (com 9 galinhas e 1 galo), uma série de  mandalas de plantação situadas em torno do galinheiro, grãos, dentre outros materiais. Este kit é fornecido a cada produtor contemplado pelo PAIS, além do suporte dos técnicos especializados.

Dentre os pequenos produtores rurais presentes, a maioria já utilizava a terra como complemento da renda e/ou como complemento do fornecimento de alimentos para própria família. Todos tinham uma mesma expectativa: tornar a riqueza da terra algo constante, organizado, planejado, de modo a poder viver da mesma (alimentando-se diretamente e usufruindo da renda obtida pela venda dos produtos plantados). Expectativa partilhada pelos funcionários da Prefeitura, uma vez que a produção agrícola estando organizada gera riqueza não só para quem trabalha na terra, mas para toda a cidade. Esta também era (e é) a expectativa dos meus tios Marilisse e Danilo, que cuidam do Sítio do Vôlisse, situado no distrito de Engenheiro Morsing (Mendes-RJ).

Antes de pegarmos no trabalho pesado (cavar; fixar vigas de madeira para o galinheiro; levantar uma pequena plataforma para colocar a caixa d’água, dentre outras atividades), conversamos um pouco sobre a riqueza que tínhamos nas mãos ali enquanto pequenos produtores rurais. A agricultura familiar é responsável por fornecer 70% dos alimentos da mesa dos brasileiros; existe uma lei (n. 11.947/2009) que obriga que no mínimo 30% da alimentação escolar seja oriunda da “agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou de suas organizações, priorizando-se os assentamentos da reforma agrária, as comunidades tradicionais indígenas e comunidades quilombolas”; os consumidores cada vez mais exigentes dão grande valor à alimentação produzida sem o uso de agrotóxicos.

Aqui, cabe uma conclusão desse brevíssimo relato. A riqueza que a agricultura familiar tem nas mãos é enorme e não passa pelas estratégias do agronegócio. No agronegócio, quanto mais recursos tecnológicos e químicos se utiliza, mais retorno se obtém da terra plantada. Para explorar assim a terra, é preciso grande soma financeira, coisa que os pequenos agricultores não têm. Nessa briga então, se o(a) pequeno(a) quiser utilizar as mesmas estratégias do agronegócio, sairá perdendo. O(a) pequeno(a) agricultor(a) tem uma riqueza “natural” nas mãos. No entanto, seu desafio está em planejar a produção e ser incluído na rede de fornecimento da alimentação escolar. Produzindo regularmente e sem o uso do veneno, as famílias rurais têm a possibilidade de obter um retorno fixo não só para si, mas toda a cidade na qual estão inseridas. Com certeza, os desafios são bem mais amplos que isso, mas espero que juntos, cidade e campo, possamos produzir riquezas para as famílias, as escolas, enfim, para nós mesmos, sem passar por uma indústria que usa sistematicamente produtos tóxicos na produção de alimentos. 

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Pedro Grabois é articulador da Rede FALE e doutorando em Filosofia pela UERJ

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Jesus contra o preconceito

Ariovaldo Ramos

Texto : João 4:1-34

O Pr. Neil Barreto disse que o jejum que Jesus pede é o de nos negarmos para seguí-lo, isto é, que façamos jejum de nós mesmos. Do que se alimenta aquele que faz o jejum que Deus pede? Do que se alimenta aquele que negou-se a si mesmo? O que lhe dá compensação pessoal? No que ele se realiza? Quero responder à essas perguntas a partir do diálogo de Jesus com a mulher da Samaria. 

Jesus estava, estrategicamente, a voltar para Galiléia, e decidiu passar por Samaria, o texto diz: “era-lhe necessário atravessar a província de Samaria” - não era uma necessidade geográfica, ou seja, esse não era o único jeito de chegar na Galileia partindo do sul. Ele podia ir para a Galiléia sem passar pela Samaria, até porque a relação entre judeus e samaritanos era muito ruim, e, portanto, era sempre arriscado atravessar as terras samaritanas. Porém, como o evangelho de João nos diz, “era-lhe necessário atravessar a província de Samaria”, então, eu concluo que foi uma determinação de Jesus, alguma orientação que Ele recebeu do Pai, de que Ele tinha de passar por Samaria. 

Era hora do almoço, Ele estava com sede e os discípulos foram comprar comida. Ele estava a beira de um poço, quando veio uma mulher samaritana buscar água. O horário que essa mulher foi buscar água era absolutamente impróprio, pois a região era semi-desértica, fazia muito calor, e as mulheres não iam buscar água na hora do almoço. O fato daquela mulher estar lá, por volta do meio dia, significava que ela tinha algum problema com a comunidade dela. Ou ela não andava com as mulheres da comunidade, porque haviam sido proibidas de andar com ela, ou ela decidiu que não iria andar com as mulheres. Não sei. Porém uma coisa é certa, algo havia acontecido.

Jesus está no poço, ela chega, e Jesus diz: “Da-me de beber!" Ao ouvir isso, a mulher reagiu: “Como o senhor, sendo judeu, pede a mim, uma samaritana, água para beber? Porque os judeus e os samaritanos não se davam." O que precisamos saber é que a situação era muito densa. Primeiro, um mestre não devia falar com uma mulher. Segundo, especialmente se fosse samaritana. Terceiro, um judeu não podia se alimentar ou beber em prato ou cuia de samaritano, pois, se isso acontecesse, ele ficaria quarenta dias sob maldição, impossibilitado de participar do culto a Deus.

O ódio dos judeus aos samaritanos era tão grande, que todo judeu, principalmente os fariseus, ao se levantarem de manhã, davam graças a Deus por não terem nascido nem mulher e nem samaritano. Por isso que, quando Jesus diz à mulher: “Da-me de beber", ele estava quebrando um grande preconceito, na verdade quatro: o primeiro preconceito, que Ele ele quebra, era o de falar com uma mulher, o segundo, era o de falar com alguém samaritano, o terceiro, era o de pedir para beber água no mesmo copo que ela (o que o tornaria imundo para os judeus) e, o quarto, era discutir teologia com a mulher.

Quando a mulher diz “ Como o senhor, sendo judeu, pede a mim, uma samaritana, água para beber?”, Jesus se explica, e começa uma conversa teológica com a mulher, o que era absolutamente proibido, pois os mestres não podiam falar com as mulheres, e as mulheres não tinham o direito de receber nenhuma informação sobre a revelação, sobre as Escrituras e sobre a vontade de Deus. Essas verdades divinas, só podiam ser ditas aos homens, e eles as passavam para as mulheres (esposa, filhas, irmãs), pois elas não tinham acesso direto. 

Jesus começa a dizer para ela: “Se você conhecesse o dom de Deus e quem lhe está pedindo água, você lhe teria pedido e ele lhe teria dado água viva”. Água viva, naquela época era a forma de se referir à um rio de águas correntes. Ele quem puxa o assunto, Ele que chama a mulher para conversar sobre coisas espirituais, o que significa que Jesus está quebrando todos os padrões ao começar essa conversa. A mulher, dando continuidade à conversa diz: “ O senhor não tem com que tirar água, e o poço é fundo. Onde pode conseguir essa água viva?” Ela está sob impacto de um homem judeu que pede para beber água do mesmo copo que ela, então, percebe que Ele está tratando de uma coisa espiritual e diz: “ és, porventura, maior que nosso pai Jacó, que nos deu o poço, do qual ele mesmo bebeu, bem como seus filhos e seu gado?” E Jesus diz que era maior que Jacó ao dizer: “Quem beber dessa água terá sede outra vez, mas quem beber da água que eu lhe der nunca mais terá sede. Ao contrario, a água que eu lhe der se tornará nele uma fonte de água a jorrar para a vida eterna” . Ele estava falando do Espirito Santo, o que o faz quebrar outro preconceito, oferecendo o Espirito Santo para uma mulher samaritana (que é o cumprimento da profecia de Joel, que os judeus entenderam que era apenas para eles. Jesus oferece a profecia, que, portanto, seria apenas para os judeus, para a mulher samaritana). 

Com Jesus dando continuidade à conversa, a mulher responde: “Senhor, dê-me dessa água, para que eu não tenha mais sede, nem precise voltar aqui para tirar água”. Nesse momento, parece que Jesus retoma á posição de mestre, e diz a ela: “Vá, chame o seu marido e volte”, ao que ela respondeu: “Não tenho marido” , e Jesus replicou: “Você falou corretamente, dizendo que não tem marido. O fato é que você já teve cinco; e o homem com quem agora vive não é seu marido. O que você acabou de dizer é verdade.” A mulher leva um susto e diz: “Vejo que és profeta!”

Agora, o que Ele diz dessa mulher é muito curioso, pois essa mulher teve cinco maridos. A gente tem, como a primeira impressão, a de que estamos tratando com uma mulher com um problema moral seríssimo, porém, não faz sentido pensar assim, porque ela teve cinco maridos, não cinco amantes. Ela devia ser uma mulher extraordinária, pois cinco homens quiseram se casar com ela. Mas, quatro maridos deram-lhe carta de divórcio, e o quinto, deve tê-la repudiado; ela se une a um sexto homem, mas esse homem não é seu marido. Do ponto de vista daquela tradição, tanto da judaica quanto da samaritana, ela estava em pecado, porque o quinto marido, provavelmente, a repudiou. Quando o sexto homem quis se casar com ela, mesmo assim, ele não pôde, pois ela havia sido repudiada, não havia recebido carta de divórcio, então, o relacionamento era tido como adulterino.

Que mulher extraordinária é essa, que cinco homens querem se casar com ela? E que mulher é essa que quatro homens deram-lhe carta de divórcio e o quinto, provavelmente, a repudiou? Não deve ser por questões morais, porque se fosse, ela não se casaria pela segunda vez... De jeito nenhum! Essa história de sucessivos casamentos, fruto do desejo que despertava, mesclada com sucessivas rejeições, parece que se explica por ela ser o tipo de mulher que ela demonstra ser, nesse diálogo com Jesus, uma mulher que tem opinião própria, o que, naquela época, era o mesmo que ofender séria e profundamente a um homem.

Me lembro que, certa feita, os organizadores de um congresso de missões, trouxeram do Oriente Médio, um ex muçulmano convertido à Cristo, que era uma espécie de consultor para missionários ocidentais que queriam ir para o Oriente Médio, que sempre era chamado para dar treinamento a esses missionários. 

Naquele congresso especifico, algumas irmãs pediram para ter uma reunião com ele, pois queriam saber como poderiam ir para o Oriente Médio para evangelizar as mulheres. Esse irmão, então, começou a aula para as mulheres dizendo que elas nunca iriam conseguir evangelizar as mulheres do mundo dele. Quando elas perguntaram, por quê? Ele disse “Porque as senhoras estão olhando nos meus olhos, me fazendo uma pergunta direta, e não pediram licença para fazer a pergunta. Isso é inadmissível para uma mulher na minha cultura. Elas estariam olhando para o chão, não me contestariam, e pediriam permissão para me fazer uma pergunta”. 

Essa mulher samaritana tinha essa postura, reprovada pelo consultor missionário, de quem não se submete facilmente, de que tem opinião própria, de quem quer participar, e isso era um tabu. E vemos isso na forma como ela fala com Jesus, se contrapondo a Ele: “Como o senhor, sendo judeu, pede a mim, uma samaritana, água para beber?”. Quando ela diz: “acaso o senhor é maior do que o nosso pai Jacó?”, vemos a percepção teológica dessa mulher. Ela sabe que está diante de um milagre, pois, aquele poço tinha mais de mil anos, e continuava a dar água. 

Ao ser perguntado se era maior que Jacó, Jesus responde, como se dissesse: “Sou, pois que o eu ofereço é Vida Eterna, e Jacó não tinha como oferecer isso”. Assim que a mulher disse que queria da água, Jesus pede para ela chamar seu marido, ao que ela revela que não tinha marido. É como se ela dissesse: não tenho ninguém a quem chamar, não chamarei ninguém, se quiser falar sobre algo comigo, faça-o a mim, ou não o fará. Essa senhora parece mais uma precursora do que chamaríamos, hoje, de emancipação feminina.

Quando aquela mulher disse a Jesus que não tinha marido, foi surpreendida por Jesus que disse: “é verdade, pois, esse que está com você, agora, não é seu marido, isso você falou com verdade”. Estamos diante de uma mulher especial, sofrendo o tabu da sua geração. 

Porém, ela está sendo salva por um Deus que quebra tabus, desconsidera preconceitos e liberta os homens dos efeitos destes preconceitos, assim como clama aos preconceituosos que se arrependam, enquanto é possível. Preconceito é o supra-sumo da auto veneração. Qualquer pessoa que discrimine a outro ser humano é réu do inferno.

Jesus começa a dizer-lhe algo que ela jamais esperaria ouvir de um homem, ainda mais de um judeu, ainda mais de um mestre. Ela diz, “senhor, vejo que tu és profeta. Nossos pais adoravam neste monte, vós, entretanto dizeis que em Jerusalém é o lugar onde se deve adorar” e Jesus lhe disse, “Mulher, podes crer que a hora vem quando nem neste monte, nem em Jerusalém adorareis o Pai, vós adorais o que não conheceis, nós adoramos o que conhecemos porque a salvação vem dos judeus, mas vem a hora, e já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espirito e em verdade porque são estes que o Pai procura para seus adoradores. Deus é espirito, e importa que seus adoradores o adorem em espirito e em verdade”. Essa frase de Jesus é extraordinária, porque adorar não é cantar. Adorar, é pedir perdão para Deus.

Quando ela diz “nossos pais adoravam nesse monte” está apontando para o monte Gerizim, onde as tribos do norte construíram um templo, que rivalizava com o templo de Jerusalem. Historicamente, o monte de Gerizim era o lugar mais adequado para construir um templo, pois quase tudo o que aconteceu na história de Israel em termos de adoração a Deus, aconteceu no monte Gerizim. Davi, entretanto, conquistou a terra dos Jebuzeus, conquistou o monte Sião, conquistou Jerusalém, e o Senhor decidiu que se poderia construir o templo em Jerusalem. 

O que se fazia no templo? A pessoa que ia no templo, tanto em Gerizim, quanto em Jerusalem, ia pedir perdão. Por que o sujeito está indo no templo? Porque ele quebrou a lei de Moisés e vai levar um animal para morrer no lugar dele. Adorar a Deus, é pedir perdão. 

E isso me parece absolutamente natural, porque tudo o que eu disser a Deus, não o alcança. Eu posso dizer que Deus é bom, mas o bom que eu sou capaz de dizer é infinitamente menor do que o bom que Deus é. Eu posso dizer que Deus é amor, mas o amor que eu sou capaz de dizer, é infinitamente menor que o amor que Deus é. Então quando é que a minha palavra realmente toca Deus? Quando eu digo a Ele: ‘ Me perdoa Senhor, faça em mim a tua vontade’. Isso é adorar a Deus.
Jesus diz para a mulher “O lugar de adorar é em Jerusalém, pois a Salvação vem dos judeus, nós recebemos a revelação, "mas vem a hora, e já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espirito e em verdade”, ou seja, já chegou a hora, em que você vai poder pedir perdão a Deus a qualquer hora e em qualquer lugar. Porque Deus é espirito, então Ele está em todos os lugares, Deus não pode ser contido em lugar nenhum e em espaço algum. 

Se ela tivesse ido mais longe na conversa, poderia ter feito duas perguntas. A primeira pergunta seria: ‘então não precisa mais de templo?’ e Jesus diria “não, não precisa mais de templo, nem em Jerusalém, nem no monte Gerizim. O templo passará a ser você e todo lugar.“ A segunda pergunta que ela poderia ter feito é: “e quem vai morrer em meu lugar?“ E Jesus responderia: “eu morro no seu lugar“

Repare que essa mulher é brilhante, pois quando ela diz a Jesus “Nossos pais adoravam neste monte, vós, entretanto dizeis que em Jerusalém é o lugar onde se deve adorar” o que ela estava querendo dizer a Jesus era algo, como: ‘eu sei que tenho um problema para resolver com Deus, mas ninguém mais sabe aonde se resolve o problema com Deus, os nossos pais disseram que era em Gerizim, e vocês dizem que é em Jerusalém, ou seja, não se sabe, ao certo, de nada’

Jesus interrompe a mulher e diz algo, como: ‘você sabe sim, é lá em Jerusalém. Nós adoramos o que conhecemos e vocês adoram o que não conhecem, porque a salvação vem dos judeus’. O assunto é Salvação. Ele continua: ‘mas chegou a hora em que você vai poder pedir perdão a Deus em qualquer lugar’. 

A mulher diz algo parecido a: “Eu sei, que muitas coisas vão mudar, QUANDO VIER O MESSIAS CHAMADO O CRISTO!“ Os fariseus não perceberam isso, e ela percebeu. O que ela parece dizer é: ‘eu sei que tudo é provisório e somente o Messias, quando vier, nos anunciará todas as coisas, e trará o definitivo. Isso foi tão extraordinário, que ela “forçou” Jesus a se revelar! E ele diz: “o Cristo sou EU. EU que falo contigo!“ Jesus se revela como aquele que veio anunciar todas as coisas. 

Ela percebeu que tudo era provisório e que só havia um alguém capaz de mudar isso, de pôr fim à provisoriedade dessas coisas, e esse alguém era o Messias. É como se ela estivesse dizendo a ela estava dizendo a Jesus: ‘O senhor pode ser profeta, mas o senhor está indo longe demais. Só o Messias pode mudar isso’, e Jesus responde, algo como: ‘exato! Eu sou o Messias, eu vim para mudar todas as coisa!’ 

Jesus quebrou muitos preconceitos nesse texto. Primeiro, o dos judeus com os samaritanos ao conversar com uma mulher samaritana; depois, o dos homens judeus contra as mulheres; depois, o da cuia comum, pois, um judeu não podia beber água na mesma cuia que um samaritano (pois se ele o fizesse estaria imundo e ficaria 40 dias sem poder prestar culto a Deus); depois, quando começou a falar com a mulher, Jesus a tratou como se tratava um mestre, pois ficaram discutindo assuntos teológicos. E mais, Jesus ofereceu Água Viva (o Espírito Santo) para aquela mulher já cansada de tanto tabu, de tanto divórcio, só porque tinha opinião própria, e de, agora, estar exposta ao vitupério por causa de uma sociedade preconceituosa. A Água Viva, a presença do Espírito Santo, seria a vida eterna dentro dela, que a tornaria uma pessoa acima de qualquer preconceito, ou melhor, além de qualquer preconceituoso.

Quando qualquer pessoa trata o próximo com e a partir do preconceito, essa pessoa demonstra ser um assassino em potencial, e se torna réu do inferno. Estamos assistindo isso no Brasil cada vez mais. Em pleno século XXI está ficando cada vez pior ser negro no Brasil, e eu vejo isso dentro da igreja. Esse preconceito deve estar consumindo Jesus, no que resta de seus sofrimentos pela Igreja.
Do quê se alimenta alguém que fez jejum de si mesmo? Ele se alimenta de libertar o próximo, de todos aqueles que não conseguem fazer jejum de si mesmo. E nesse mundo moderno, nós temos o preconceito racial sendo retomado ao nível da náusea, e temos esse preconceito com as mulheres que estão sendo tratadas, cada vez mais, como se todas elas fossem escravas sexuais: na violência que sofrem no ambiente doméstico, nas violações, na forma como são tratadas e na forma como são expostas na mídia, como se fossem mercadorias.

Então, do quê que se alimenta alguém que faz jejum de si mesmo? Se alimenta da disposição e da disponibilidade nas mãos de Deus para libertar todos aqueles que sofrem preconceito por parte de gente que se recusa a fazer jejum de si mesmo. E a denunciar todo esse nível de preconceito.
Jesus libertou essa mulher de uma forma impressionante. Jesus ainda vai quebrar mais preconceitos, porque, quando chegam os judeus, seus discípulos, eles se admiram. Nesse trecho: “Os discípulos chegaram e se admiraram”, é interessante notar a reação descrita - o “se admiraram“ é levar um susto, se surpreender. Como se eles estivessem dizendo: “o que deu nele?” Mas como era Jesus, eles não disseram nada. 

Então começaram a oferecer comida para Jesus, que disse ter uma comida que ninguém conhecia, e que a comida, que ele tinha, era fazer a vontade daquele o havia enviado. “A minha comida consiste em fazer a vontade daquele que me enviou a realizar a sua obra”. Qual é a obra de Deus? Libertar os seres humanos de toda forma de opressão, a começar pela opressão que nasce do preconceito, que é a opressão mais comum porque é a menos rechaçada. E é a menos enfrentada porque é socialmente aceita. Por exemplo, é socialmente aceito um sujeito fazer piada às custas das mulheres ou dos pretos, ou de quaisquer etnias. A discriminação foi assimilada. E as mulheres se submetem, pois tem de sobreviver, e a maioria dos negros também se submetem, pois, às vezes, parece que não há o que fazer.

Este é um país que assassina pretos e pobres, é uma veia aberta na rua, o sangue jorra nas sarjetas desse país. A barbárie, o preconceito, a discriminação, o desrespeito. Se eu fosse dar outro nome para essa mensagem, eu daria “Jesus contra o Brasil”. Esse país preconceituoso, e em muitos casos, preconceituoso em nome de Deus, que é um acinte, um achincalhe da fé.

O que Jesus fez com a mulher samaritana foi quebrar preconceitos: um atrás do outro. certamente, muito mais do que nos é possível imaginar. Estamos há dois mil anos do evento, e, por causa do nosso limite, em relação à cultura, não conseguimos ter toda a ideia do que estava acontecendo ali. 

É o mesmo caso de Marta e Maria, quando Marta estava preocupada arrumando a casa e exigindo a presença de Maria, enquanto Maria estava desfrutando da presença de Jesus. Parece que Jesus está sendo injusto com a Marta, porque ela realmente estava tendo trabalho, mas não era essa a questão. A questão é que Maria estava sentada aos pés de Jesus ouvindo os ensinos dele, e isso só era permitido aos homens. Só os homens podiam ser discipulos, as mulheres não, então as mulheres não se assentavam aos pés dos mestres. Marta estava tentando salvar a Maria da vergonha, e Jesus do vexame. Mas Jesus aceita a presença de Maria, o que significava que ele aceitava Maria como discípula, e adverte Marta sobre sua agitação. Na verdade, o que Jesus estava dizendo é: ‘Marta, você também devia se sentar aqui’. Não temos ideia de quantos tabus e preconceitos que Jesus rompeu.

A pergunta que nós fizemos foi: do quê se alimenta aquele que fez jejum de si mesmo? Ele se alimenta de ser instrumento de Deus para a realização da sua obra. E qual é a obra de Deus? Libertar os homens de toda a sorte de opressão, a começar pelo preconceito. Essa é a obra de Deus.

Aquela mulher levou todos de sua aldeia para encontrar com Jesus, e eles se converteram. Jesus quebrou mais um tabu, pregou o evangelho, apresentou-se, ele o Messias de Israel, aos samaritanos, e os samaritanos creram nEle. Os judeus devem ter ficado muito irritados com Jesus!

Que nós, a Igreja de Jesus, entendamos qual é o nosso papel na Terra, temos de sair dessa religião individualista, que vive pedindo benção para Deus, mas nunca se torna benção na mão de Deus. Por quê esse país tornou-se esse câncer exposto quando a fé cristã parece crescer tanto? Porque a fé cristã que está crescendo, não é a fé que, de um lado faz jejum de si mesmo, e, de outro lado, se alimenta em realizar a obra de libertação de Deus.

Para nós, homens, cumprirmos o nosso papel masculino e sermos os sacerdotes da nossa casa, nós não precisamos ter medo da inteligência, quanto mais brilhante for a pessoa que estiver do nosso lado, mais fácil é ser sacerdote. Os homens estão abrindo mão da sua postura de sacerdotes do lar e estão, cada vez mais, se assumindo como gente que se defende, sendo cada vez mais violentos. E a violência é a arma dos incompetentes, dos que perderam o seu sentido de função na história, e perderam a sua identidade.

Homem, seja o sacerdote da sua casa, seja o sujeito que leva a sua casa a orar, seja o sujeito que leva a sua casa para Deus. E que Deus o tenha agraciado com esposa e filhos brilhantes. E não pense que autoridade é a arte de mandar, autoridade é a arte de ser admirado, e quanto mais uma pessoa aprende a ouvir e a ponderar, antes de decidir, mais admirado é. Porque na multidão dos conselhos há sabedoria.

Jesus quebrou muitos tabus sem em nenhum momento, abrir mão da sua posição. Nesse texto, Jesus denunciou o preconceito de uma geração, libertando uma mulher de um estigma negativo, e, na prática, dizendo para ela: “ Eu vim lhe trazer Vida Eterna! E a Vida Eterna fará você transcender, superar qualquer preconceito e enfrentar os preconceituosos.” Que Deus nos abençoe!

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Ariovaldo Ramos é Pastor da Igreja Batista da Água Branca e faz parte do Conselho de Referência da Rede FALE