terça-feira, 17 de setembro de 2013

CARTA ABERTA À SOCIEDADE BRASILEIRA ACERCA DAS DISCUSSÕES SOBRE A MAIORIDADE PENAL

Educa a criança no caminho em que deve andar, E ainda quando for velho, não se desviará dele.
Provérbios 22:6


Nós, articuladores e membros da coordenação geral da Rede Fale, reunidos em Brasília nos dias 26 e 27 de abril de 2013, apresentamos nesta carta pública a nossa indignação acerca das discussões favoráveis à redução da maioridade penal reascendidas atualmente pela morte banal, indecorosa e incoerente do jovem Victor Hugo por um adolescente, na cidade de São Paulo.

Embora as estatísticas apontem o Brasil como o país que possui o maior número de mortes dos seus jovens, inclusive as provocadas por armas de fogo, podemos perceber que, no entanto, a participação dos/as adolescentes em atos contra a vida é em média de 1%.

Infelizmente o que presenciamos agora é que se faz uma discussão por parte de alguns setores da sociedade de forma superficial e sobressaída por um espírito sensacionalista/reacionário, que insiste em emascular direitos conquistados através da participação e pressão democráticas populares.

Em 1988, ano em que foi promulgada a Carta Magna e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), tomou-se como ponto básico o adolescente (de 12 a 18 anos) como um ser em peculiar estado de desenvolvimento.

O texto constitucional dispõe como uma das suas cláusulas pétreas (ou seja, que não pode ser modificada) a maioridade aos 18 anos, no artigo 228. Da mesma forma, artigo 227 afirma, de forma taxativa, que é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Estado garantir com prioridade absoluta uma gama de direitos às crianças e adolescentes, como o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária (ECA), e diferentemente do que a mídia brasileira, de forma reacionária, tem divulgado, nas legislações de outros países acerca da maioridade penal, observa-se que é uma tendência global o marco em torno dos 18 anos.

Não obstante, é desnecessário mencionar que estamos bastante longe disso. Possíveis projetos de emenda constitucional que proponham mudanças no artigo 228 significarão apenas paliativos que de forma alguma resolvem a raiz de todos os problemas relacionados a à vida de nossos adolescentes. Afirmamos que a solução para o problema da criminalidade não está na redução da maioridade penal, mas sim na reflexão acerca das questões voltadas à formação do jovem, e discussão destas enquanto expressão da questão social.
As propostas de mecanismos redutores dos níveis de criminalidade devem considerar uma série de problemas que influenciam de forma direta os números, dentre elas, acesso à educação, concretização de acesso à saúde de forma pública e universal, efetivação do direito à habitação e emprego, por exemplo.

Resta-nos uma pergunta: é justo que um Estado injusto, que não cumpre efetivamente leis referendadas em sua Constituição, culpabilize aqueles a quem deveria proteger?

É preciso considerar que o simples fato de reduzir a maioridade penal não garante que se reduzirá a violência. Se a certeza da punição realmente diminui os índices de criminalidade, por que nossas unidades carcerárias estão lotadas? Será que as unidades do nosso sistema prisional, onde a reincidência de delitos chega a impressionantes 70%, seriam locais adequados para a recuperação desses adolescentes? É de conhecimento público que os custos de manutenção de uma unidade carcerária são bem maiores que os investimentos em educação básica. Não seria mais rentável e comumente mais proveitoso, o investimento em escolas e universidades públicas de qualidade, do que o financiamento de uma estrutura que não é efetiva na superação da violência?

É lamentável também, constatar que caso ocorra tal mudança, caso seja aprovada a Proposta de Emenda Constitucional nº 33, os mais prejudicados SEMPRE serão os mais pobres, pois os filhos dos poderosos, historicamente, têm tratamento diferenciado.

Quando um adolescente abastado irresponsavelmente atropela ou agride uma pessoa, é tratado como um jovem que fez algo impensado e, talvez, de forma acidental; já o pobre é tratado como um monstro, o menor, que deve ser enjaulado, encarcerado.

É trágico perceber que, infelizmente, o assunto da mudança da maioridade penal só é retomado quando um crime é cometido por um adolescente pobre. O que se observa é que no Brasil, o encarceramento serve como uma política de segregação social, que se propõe a dividir a elites do resto da população que enfrenta dificuldades múltiplas todos os dias.

Como uma rede de Cristãos, que ora e age em favor de Justiça, cremos que não podemos desconsiderar as adversidades que assaltam nosso tempo. É preciso que se cumpram efetiva e universalmente as leis, à despeito da cor, credo ou estrato social do indivíduo. 

A responsabilidade do Estado, das famílias e da sociedade brasileira consiste em honrar seus compromissos em favor de um país mais justo, que dê tratamento e oportunidades iguais para todos, onde políticas públicas específicas em favor dos mais jovens tenham vida plena, e que não sejam engolidos pela lógica perversa da violência e do medo irracional que hoje imperam entre nós.

Queremos, de forma obstinada, conclamar nesta carta nossas irmãs e irmãos à radicalidade no compromisso de reverter tais males, na certeza da caminhada em prol da concretização do Reino de Deus e de seus valores, como sinal da realidade da ressurreição de Jesus, O Cristo.

N’Ele, que pede de nós o compromisso de justiça para com pobres e oprimidos, órfãos e viúvas, jovens e velhos, subscrevemo-nos.

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